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OS DIAS DA SEMANA Uma das mais influentes do mundo e o Facebook

Fazer listas é um velho hábito jornalístico. Regularmente, a imprensa indica quem são “os dez mais”, “os cinquenta mais” ou “os cem mais” em domínios variados. Quem diz os mais pode dizer os melhores. As escolhas tanto podem ser relativas a livros ou filmes como a estabelecimentos de ensino, a lugares ou a restaurantes. A revista Time, por exemplo, no seu número mais recente, escolheu, como anualmente faz, as cem figuras mais influentes de todo o mundo. A lista inclui nomes óbvios, como Volodymyr Zelensky, o ditador russo e mais uns quantos dos principais líderes mundiais, mas certas ausências suscitarão estranheza. As listas dos “artistas”, dos “pioneiros”, dos “inovadores”, dos “titãs” ou dos “ícones” também poderiam causar surpresa se a selecção não fosse tão centrada em personalidades dos Estados Unidos da América. Um mapa do mundo com as proveniências geográficas indica que o influente mais próximo é o tenista espanhol Rafael Nadal. Entre as escolhas não propriamente evidentes, encontra-se a de Frances Haugen, uma engenheira com quase 40 anos, especialista nos algoritmos que hierarquizam os conteúdos nas plataformas. A influência de Frances Haugen deve-se não especificamente à sua competência, mas à circunstância de ser uma “denunciante”, uma whistleblower, segundo o termo inglês, ou uma lanceur d’alerte, que a língua francesa usa, fazendo sobressair o efeito da responsabilidade pública dos que quebram segredos, designadamente profissionais, sobre práticas lesivas do bem comum. O procedimento acusatório foi reconhecido por uma directiva do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu que protege os que denunciam infrações ao direito da União Europeia, aplicado de acordo com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, garantindo, assim, por exemplo, “o pleno respeito da liberdade de expressão e de informação”, “o direito à proteção dos dados pessoais”, “o direito a um elevado nível de proteção do consumidor”, “o direito a um elevado nível de proteção da saúde humana”, “o direito a um elevado nível de proteção ambiental” ou “o direito à boa administração”. Partilhando, no ano passado, um vasto conjunto de documentos com o Wall Street Journal, a Comissão de Valores Mobiliários e o Congresso dos Estados Unidos da América, Frances Haugen denunciou o Facebook, em cuja equipa de Integridade Cívica trabalhou, por tomar decisões que aumentam os lucros da empresa à custa da saúde e do bem-estar dos seus utilizadores. O algoritmo do Facebook, que decide aquilo que os utilizadores vêem em primeiro lugar, está optimizado para mostrar conteúdos que instigam reacções fortes, alertou Frances Haugen. Diz ela que se, em vez de atiçar as paixões, se optasse por uma mudança de algoritmo que as moderasse e proporcionasse segurança, as pessoas despenderiam menos tempo na rede social, impedindo-a, se assim fosse, de ganhar muitíssimo mais dinheiro – os lucros elevados advêm do exagerado tempo em frente aos ecrãs. Tendo recolhido abundante informação interna para comprovar o que afirma, Frances Haugen imputou ao Facebook responsabilidade por múltiplos problemas sociais – certas opções do Facebook estimulam a violência étnica causadora de mortes. O texto sobre Frances Haugen que Tristan Harris, presidente e co-fundador do Center for Humane Technology, escreveu para a Time permite compreender em poucos parágrafos a razão da influência da denunciante: “Durante anos, advogados, investigadores e grupos da sociedade civil fizeram soar o alarme sobre os efeitos perturbadores das redes sociais: a degradação da atenção, os problemas de saúde mental, a polarização por causa do lucro e o colapso e fragmentação da nossa realidade comum. As redes sociais têm continuamente negado e ofuscado a realidade. Mas Frances Haugen revelou a verdade – 20 000 páginas de verdade”. Tristan Harris explica que a coragem de Frances Haugen, ao partilhar a documentação com os reguladores e os jornalistas, “abriu os olhos do mundo para as formas insidiosas como a [empresa] Meta (e as suas plataformas Facebook, Instagram e WhatsApp) coloca o lucro acima do bem-estar físico e emocional dos seus três mil milhões de utilizadores em todo o mundo”. Frances Haugen ajudou, de facto, a abrir os olhos. De todos e de cada um.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
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5 junho 2022