“De Lisboa (1755) a Gaziantep (2023)”, era o título do editorial de sexta-feira da revistaEsprit. O texto reporta-se, como se depreende, ao terramoto, com epicentro em Gaziantep, que devastou a Turquia e a Síria no dia 6 de Fevereiro de 2023. Como indica a revista fundada por Emmanuel Mounier em 1932, citando a Organização Mundial de Saúde, tratou-se do pior desastre natural na região desde há um século. As consequências humanas da tragédia, que aumentam a cada dia, são avassaladoras: mais de 40 mil mortos e milhões de desalojados.
Relacionando este tremor de terra com o que ocorreu no dia 1 de Novembro de 1755, “que reduziu Lisboa a nada”, aEspritrecorda que “os Modernos aprenderam a distinguir entre a ordem da natureza e a ordem da liberdade, e já não acreditam que uma catástrofe natural seja um castigo divino”. Agora a contingência é encarada de frente, “sem consolo, aceitando que a natureza permaneça opaca à razão humana e considerando mesmo essa opacidade como uma condição da nossa compaixão”. A novidade, assinala a revista, é que também se descobriu “um novo sujeito para imputação dos infortúnios: não mais Deus ou os indivíduos, mas as sociedades humanas, particularmente quando são corruptas”.
A corrupção na Turquia, observa aEsprit, é a dos promotores imobiliários conluiados com as mais altas esferas do poder. A tendência autocrática do governo de Erdogan procedeu a uma tal centralização do poder que tornou impossível que o Estado preste um socorro atempado às vítimas, devendo registar-se a existência de “múltiplos espaços de resistência” que testemunham “a coragem dos cidadãos”.
No país vizinho, a Síria, onde “Bashar al-Assad colocou os recursos do Estado ao serviço de uma corrupção generalizada”, as actividades das organizações humanitárias são fortemente controladas e “a ajuda internacional é desviada para fortalecer o regime”, uma situação queé denunciada há anos por diversas Organizações Não-Governamentais, designadamente pelo Comité Síria-Europa, que há cerca de um mês deplorava a indiferença internacional em relação à crise síria.
O editorial daEspritfaz notar que, desde o terramoto, Assad se serve do desastre para exigir o levantamento das sanções contra ele, impostas em consequência da sua política de “destruição do país”, e que os seus partidários têm entoado o slogan: “Ou Assad ou queimamos o país”. Quanto aos habitantes dos territórios que não estão sob o controlo de Bashar al-Assad, a situação não se apresentou mais favorável: ficaram privados de ajuda durante quase uma semana, podendo apenas contar com eles próprios.
A conclusão que aEsprittira é assaz pertinente: “Se a catástrofe nos desperta para a tragédia da existência, ela também nos lembra que o autoritarismo e a corrupção acrescentam desgraça à desgraça”. Na Turquia, na Síria ou em qualquer canto do planeta. De resto, mesmo que se apresentassem isolados, o autoritarismo e a corrupção teriam sempre nefastas consequências. Mas o mais comum é vê-los juntos, retroalimentando-se e impedindo sempre o benefício das populações.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
OS DIAS DA SEMANA O sismo, o autoritarismo e a corrupção
DM
19 fevereiro 2023