António Osório, um dos grandes poetas portugueses contemporâneos, morreu no dia 18. Tinha 88 anos. Obras como, por exemplo, A raiz afectuosa (1972), A ignorância da morte (1978), O lugar do amor (1981) ou Décima aurora (1982) são referências incontornáveis da história da poesia portuguesa actual. Para um leitor, um grande poeta é aquele que, por exemplo, lhe proporcionou – com um livro, um poema ou um verso – um instante de júbilo ou uma luz para percorrer um momento obscuro.
António Osório obteve uma mais ampla notoriedade por ter sido bastonário da Ordem dos Advogados e sobre a circunstância de os poetas serem insuficientemente conhecidos pronunciou-se em 2010, numa mensagem para o Dia Mundial da Poesia. Observou então que são os livros “dos ‘ases’ do futebol e da televisão” aqueles “que colhem fortunas”. Para António Osório, “em contrapartida, as edições de poesia sofrem acentuada diminuição das tiragens. Os jovens universitários lêem cada vez menos, trocando a poesia, quando a trocam, pela ‘prosa’ multimilionária”.
“A poesia é ainda possível?”, interrogava-se nessa altura. Na resposta, impunha à poesia que não se confinasse “a uma ironia sarcástica contra um mundo cruel”, mas fosse “um ‘refúgio’ contra a voragem tecnocrática, contra o desrespeito pela beleza do mundo, contra a destruição da paisagem”. Os valores da poesia, explicava António Osório, são os valores da vida. A poesia, acrescentava ele, citando Benedetto Croce, é “a ‘palavra cósmica’, uma forma de não se submeter, mas de se indignar, de estar ao lado dos humilhados, uma afirmação humanista”.
Na mensagem de há cerca de uma década, o poeta recordava o que Rainer Maria Rilke tinha escrito nas Cartas a um jovem Poeta: “ser artista é amanhecer como as árvores, que não duvidam da própria seiva e que enfrentam tranquilas as tempestades da Primavera, sem recear que o Verão não chegue”. Para António Osório, “teremos de ser como elas, que não põem em causa a própria seiva e que resistem às tempestades da Primavera. Contra o desprezo pela poesia, oponhamos a nossa perseverante defesa. E ofereçamos os nossos livros, com um gesto fraterno”.
De António Osório, fica-nos agora A Luz Fraterna, para usar o título da obra que reúne a poesia de entre 1965 e 2009, ou, se se preferir, “O pão das palavras”, título do texto seguinte, incluído em Crónica da fortuna:
“Fortuna dos cegos, dos órfãos, dos loucos, dos drogados.
Fortuna de quem sofre no circo pelos acrobatas, pela perseverança dos palhaços, pela apoteose final, a que ninguém se furta, nem mesmo os trapezistas, ciosos de aplausos como de festas de cães.
‘Má fortuna’ confessada a de Camões, prova terrível contra o destino. (A miséria dos homens não é o destino, mas a sua imperfeição.)
Fortuna dos que não morrem em vida. Dos que passam por dentro e pelo fundo da sua tristeza, e vão além. Dos que se contentam com o súbito pão das palavras. Dos que não causam dano nem semeiam culpa. Dos que poderiam apresentar-se limpamente diante de Deus.”
Afortunada poesia, a de António Osório. Afortunados nós, que podemos continuar a lê-la.
P.S.: Uma primeira versão deste texto foi publicada no site 7 Margens.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes