Da necessidade impreterível de olhar para os assuntos mais pungentes da actualidade e de, em relação a eles, tomar posição, nasceu, quase sempre, cada uma das crónicas de Pedro Carlos Bacelar de Vasconcelos reunidas no livro Mudar o Mundo, Mudar a Vida, agora editado pela Afrontamento e com apresentação agendada para a próxima terça-feira, às 18h00, na Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Esta recolha permite observar os últimos dez anos em Portugal e no mundo e recensear preocupações agudas e propostas de remédios prementes. O tempo foi-se encarregando de demonstrar quão importante era a sua atempada e correcta administração, acentuando a inadiável necessidade de, como diz o título, mudar o mundo e mudar de vida.
O propósito poderá, hoje, parecer excessivamente ambicioso. Tanto mais que em diversos lugares do planeta se travam combates de trincheira para impedir o avanço dos que querem derrotar o que, em muitos sítios, já pareceu plenamente garantido: a democracia e a liberdade. Os totalitarismos – com novos rostos, com os rostos de sempre ou sem rosto – multiplicam ameaças à convivência plural e debilitam a tarefa indispensável de mobilizar os cidadãos para intervirem em favor do bem comum.
Um dos modos de desacreditar esse combate para melhorar o mundo e a vida é fazer alastrar o cinismo. A suspeita geral, todavia, nunca é capaz de impedir o clientelismo e a corrupção, de promover a prestação de contas ou de estimular a ampla participação cívica. Instigando a desconfiança em tudo e em todos, pode fazer-se emergir messianismos fanáticos; fomentando o conformismo generalizado, pode impedir-se ou retardar-se o surgimento de alternativas. Atiçando o ressentimento e o ódio ou convidando à resignação apenas se cauciona a demagogia e os seus simulacros de acção.
Enquanto o cinismo encontra campo fértil para prosperar, as grandes empresas tecnológicas vão edificando um desmesurado negócio assente numa espécie de panóptico universal que despe e controla a vida das pessoas.
O desprezo pela privacidade, tão temido por George Orwell, é um dos múltiplos indícios de crise denunciados por Pedro Carlos Bacelar de Vasconcelos, e um daqueles cujas perniciosas consequências ainda não são devidamente antecipáveis. O tópico da crise – das facetas de uma crise que deve ser devidamente enfrentada sem os placebos amiúde em uso – atravessa, aliás, esta obra e pode, se se quiser, ser um dos seus profícuos fios condutores.
Para “a profunda crise de representação que hoje afeta a generalidade das democracias”, tem o autor insistentemente chamado a atenção. O problema, como explica Pedro Carlos Bacelar de Vasconcelos, não se resolve sem “reformas audaciosas do sistema político que assegurem mais igualdade, transparência, participação e liberdade”. É que “a liberdade, nas sociedades democráticas, é indissociável da igualdade”, razão por que “o crescimento das desigualdades promove o populismo, destrói a confiança e alimenta pulsões autoritárias”.
O autor deplora também a desgovernação planetária e a debilidade da vontade política, minada pelos nacionalismos, pelos egoísmos e pela mesquinhez, com que se enfrenta a “maior crise humanitária vivida desde a Segunda Guerra Mundial”, em consequência da fuga de populações inteiras “dos confrontos armados no Sudão, na Líbia, na Síria, no Iraque ou na Palestina, e que multiplicam por milhões o número de refugiados carecidos de proteção e acolhimento na África e no Médio Oriente”.
É no último capítulo que surge a referência à “atual crise pandémica”. A ela se deve “‘um despertar sem precedentes’ para a emergência ambiental que reclama nada mais, nada menos do que uma nova economia, por onde se há de traçar o caminho para ultrapassar a crise tremenda em que o vírus mergulhou todo o planeta”.
“Força é pois ir buscar outro caminho!”, diz-nos um verso de Antero de Quental.
Este livro de Pedro Carlos Bacelar de Vasconcelos é também um precioso impulso para que ele seja frutuosamente trilhado.
Nota – este texto reproduz, com uma pequena alteração inicial, o prefácio do livro.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes