Neste dia, há 66 anos, uma bomba destruía uma parte da casa de uma das mais influentes personalidades do século XX. “Explosão abala residência do líder do boicote aos autocarros”, dizia o título principal do jornal The Montgomery Advertiser de 31 de Janeiro de 1956. A notícia referia que, no dia anterior, a casa de Martin Luther King em Montgomery, no Alabama, tinha sido atacada à bomba. Dentro de casa, estavam a mulher de Martin Luther King, Coretta Scott, e a filha de sete semanas, Yolanda. A fachada foi danificada, mas ninguém ficou ferido.
As notícias, que circularam rapidamente por todos os Estados Unidos da América, deram conta de que, quando soube do ataque, após ter falado a uma vasta plateia congregada num templo, Martin Luther King, pastor da Igreja Baptista de Montgomery, correu para casa apreensivo. Temia pela vida da família. Quando chegou, na rua, já o aguardava uma multidão, havendo gente de armas na mão, preparada para o defender. Depois de abraçar a mulher e a filha, Martin Luther King dirigiu-se às pessoas que continuavam a acorrer para o apoiar. Do que disse, sobressaiu o apelo: “Se têm armas, levem-nas para casa; se não as tiverem, por favor, não as procurem. Não podemos resolver este problema com violência. Devemos enfrentar a violência com a não-violência”.
A bomba não era um incidente isolado. Outros episódios de intimidação tinham já visado o reverendo Martin Luther King por causa do papel que desempenhava então na luta contra a discriminação racial, particularmente a que ocorria nos autocarros. O racismo ditava que, neles, os negros apenas pudessem ocupar alguns lugares traseiros e, mesmo assim, teriam de os ceder se os brancos não tivessem onde se sentar.
No dia 1 de Dezembro de 1955, Rosa Parks, uma mulher negra, havia sido intimada a levantar-se e dar o assento a um branco. Mas ela não se levantou. A recusa alvoroçaria a cidade e o país. O condutor parou e chamou a polícia, que a deteve. Rosa Parks não ficou na prisão a aguardar o julgamento porque outro negro, Edgar Nixon, pagou a fiança. Poucos dias depois, começava o boicote aos autocarros, que Martin Luther King foi instado a liderar. O boicote duraria quase um ano. Findou quando, por decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América, terminou oficialmente a segregação racial nos autocarros de Montgomery.
EmForça para amar, Martin Luther King legou um inesquecível testemunho do que representaram esses dias que o colocaram na primeira linha do combate contra adiscriminação racial: “O telefone tocou e disse uma voz encolerizada: ‘Escuta, negro, estamos fartos de ti. Antes da próxima semana, estarás arrependido de teres vindo a Montgomery…’ Tinha atingido o ponto de saturação… Estava quase a abandonar… Havia decidido entregar o problema a Deus… Mas nesse momento tive consciência da presença divina como nunca. Era como se pudesse ouvir a tranquilidade e segurança de uma voz interior: ‘De pé para a justiça. De pé para a verdade! Deus estará sempre a teu lado’. A minha incerteza desapareceu e estarei pronto para a luta.”
Martin Luther King foi um admirável líder espiritual, defensor dos direitos cívicos, um activista adepto da não-violência, reconhecido com o Prémio Nobel da Paz em 1964. No dia 4 de Abril de 1968, foi assassinado por um segregacionista branco em Memphis, no Tennessee. Também o Mahatma Gandhi, em cujo exemplo Martin Luther King se inspirou, foi assassinado. Um fanático hindu matou-o no dia 30 de janeiro de 1948. Passam hoje 74 anos. Os que sonharam e lutam por um mundo mais fraterno, mais justo e mais livre tiveram contra si fanáticos perigosos, mas deixaram um poderoso incentivo a que o combate contra a discriminação e o ódio não enfraqueça.
A última palavra não pertence aos violentos.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
OS DIAS DA SEMANA Contra a discriminação e o ódio

DM
30 janeiro 2022