Virginia Woolf, uma das mais influentes escritoras do século XX, deixou nos seus excelentes Diários, publicados em Portugal pela Relógio d'Água, um testemunho sobre como viveu os dias do início da II Guerra Mundial e os que a antecederam.
“É estranho como os diários agora pululam”, regista, mais ou menos por esta altura do ano, no dia 28 de Julho de 1939, a autora de, por exemplo, Mrs. Dalloway, Rumo ao farol, As ondas e Um quarto que seja seu, durante a leitura dos diários do escritor francês André Gide. O mês não foi tranquilo, mas, pelo que ficou escrito, não exactamente por causa do estado do mundo. “Ainda não estamos em guerra”, escreve um mês depois, a 30 de Agosto. A acalmia pouco duraria. No primeiro dia de Setembro, o conflito torna-se assaz evidente: “Esta manhã a guerra é connosco”. É que “Hitler tomou Dantzig: atacou – ou está a atacar – a Polónia”.
No dia 23, sábado, “a Polónia foi engolida”. A “Rússia e a Alemanha dividem-na”. Além disso, “foi afundado um porta-aviões. Mas não houve ataques aéreos”.
Virginia Woolf julga-se “tão distraída” que crê ter “deslizado sobre a superfície dos dias”. Mesmo assim, percebe que “a civilização encolheu”. É tempo de, como tantas vezes é necessário, fazer contas à vida. “E uma vez mais o L. e eu fazemos contas aos nossos rendimentos. Quanto precisamos ambos de ganhar? Voltámos a ser jornalistas. Fui convidada a escrever um artigo sobre os artistas e a crise, pedido pelo Times, ofereceram-me outros. A minha velhice de independência está, pois, em perigo. Mas, na verdade, é difícil ficar de fora a escrever os meus livros”.
A escritora regista o que irá fazer. “Depois, começo a poupar papel, açúcar, manteiga, a comprar pequenas provisões de fósforos”. Se os que escuta estiverem certos, assinala ela, a guerra durará três anos. “Todos os que estão por dentro dizem que seremos derrotados”. Virginia Woolf não saberia que os prognósticos se revelariam desacertados – a romancista suicidar-se-ia no dia 28 de Março de 1941 –, mas compreendeu que não se afiguravam promissores os dias da guerra: “As comodidades estão a murchar”. O exemplo apresentado para o comprovar bem o demonstra: não havendo gasolina, têm de ir resgatar as bicicletas usadas, por causa de outra guerra, vinte e tal anos antes.
A II Guerra Mundial tem sido frequentemente evocada por causa das lições que é susceptível de oferecer para melhor lidar com os acontecimentos do presente, mas os ensinamentos da História são muitas vezes acolhidos de modos contraditórios, por vezes, estranhos.
No fim do primeiro mês de 1939, quando Barcelona acabava de ser tomada por Franco e se anunciava uma alocução de Hitler, Virginia Woolf visita, em Londres, Sigmund Freud. Conta o que lhe transmitiu e é surpreendente o que a escritora pensa: “Eu disse que temos muitas vezes um sentimento de culpa – se tivéssemos perdido, talvez o Hitler não tivesse existido”. Freud, que morreria alguns meses depois deste encontro, não estava de acordo: “Não, disse ele, com grande ênfase; teria sido infinitamente pior”.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
OS DIAS DA SEMANA A guerra e a culpa

DM
24 julho 2022