A história, trágica ou não, aconteceu. Ninguém a pode reescrever, como ninguém a pode negar. Foi assim com a história trágico-marítima, com o naufrágio do Sepúlveda, com os mortos ou heróis das guerras: Aníbal, Átila, Gengis Khan, Nuno Álvares Pereira, Afonso de Albuquerque e tantos, em quem poder não tem a morte.
Mesmo aqueles que se notabilizaram pelos seus horrores e crimes de guerra, mesmo estes têm na história da humanidade o seu lugar escuro, lugar que nem as trevas do tempo apagam, mas estão lá: Hitler e o holocausto, Estaline e as deportações e assassínios em massa, Nero e o incêndio de Roma e a perseguição aos cristãos.
A história arquivou os factos e os feitos. Por isso, quando li neste jornal que um número indeterminado de indivíduos tapou a cara à estátua do Gomes da Costa, em Braga, concluí: são dos que se contentam em fazer o papel sujo das organizações.
Gomes da Costa fez um levantamento militar para acabar com a primeira república que não se encontrava, antes se desviava, dos nobres valores que a gerou; degenerava-se em lutas e questiúnculas intestinas, envolvia-se em partidarismos cegos e caciquismos oportunistas, desacreditava o nome de Portugal no estrangeiro; o caos político nacional era uma constante. Governos houve que acabaram mesmo antes de tomarem posse!
Este golpe militar deu, na sua evolução, lugar ao estado novo que, ao tentar disciplinar um país sem alma e rumo, acabou por se perpetuar durante 40 anos através de um regime autoritário. Mas foi esta a história e, tentá-la esquecer ou contá-la doutra maneira, é procurar apagar o traço forte de uma época vivida.
A democracia, senhores barreteiros, não tem ódios ou ressentimentos sem perdão, muito menos com efeitos retroativos; nunca se vira contra os sinais do passado; neste sentido, quaisquer monumentos ou estátuas que venham desse passado, têm o direito de existir na sua integridade. São história.
A democracia autêntica é tão forte e ciente do seu poder, que se pode dar ao luxo de ser magnânima mesmo para com os seus adversários. É assim porque assim é a sua marca. Já uma vez tentaram derrubar a estátua de Gomes da Costa e não conseguiram; a peanha foi mais forte que o ódio vesgo desses saudosos do Prec.
Braga não tem de se envergonhar de Gomes da Costa, não tem que se encolher perante a história, tem que dizer, de cara levantada, que foi verdade, que foi aqui, em Braga, que começou o 28 de Maio de 1926.
É história não é ideologia. Foi-me lembrado por uma senhora conhecida que, ao comentar este facto, acrescentou: outro homem de que Braga se não deve esquecer, muito menos envergonhar, é do comendador Santos da Cunha,cuja estátua dá as boas-vindas a quem entra em Braga pela rua do Porto.
Julgo que o autor da sua estátua situada naquela rotunda, colocou nela todo o dinamismo e energia pessoal e política que dele se desprendia enquanto pessoa, e fez dele uma figura histórica desta cidade.
Mas foi um fascista, gritam os émulos do ódio ideológico! Não vi ninguém, mesmo depois da sua morte, que lhe assacasse comportamentos fascistas. Tinha inimigos, certamente. Mas como um dia disse Winston Churchill a um entrevistador: Tens inimigos? Ótimo. Isso significa que foste capaz de defender qualquer coisa.
Mas mesmo que fosse fascista, mesmo assim pertence à história de Braga e, como tal, deve ser lembrado; amá-lo já é outra coisa. Se fôssemos eliminar os sinais da existência doutras épocas, teríamos que derrubar edifícios, rasgar retratos, esquecer batalhas, olvidar descobrimentos, em suma, transformar a história pátria numa crónica amnésica.
Se os que embarretaram Gomes da Costa fossem os cronistas deste tempo, amanhã construiríamos a história em cima de faciosas opiniões. Senhores barreteiros, a história um dia dirá a quem serve o barrete!
Autor: Paulo Fafe