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Os artistas do lápis azul e o artigo 37

Na próxima semana, jornalistas e académicos lançam-se na árdua mas habilitante campanha de anunciar os atropelos à liberdade de informar. O Portal artigo 37.pt tem tudo para ser bem-sucedido, tantos são os casos que comprimem, descarnam os princípios que deviam ser invioláveis da Constituição e habilitam-se, diariamente, ao protagonismo que não lhes é devido. Os casos fazem parte da história da Democracia portuguesa, constituindo uma agenda cumprida escrupulosamente por mandatários, detratores do bem comum em nome do interesse comezinho, mas impactante de quem está ou quer conquistar o poder de gerir os destinos seja da ação política, económica, social, ambiental e cultural. Infelizmente, em Portugal, a Democracia tem duas faces: a da verdade e a da sua manipulação autocrática por parte de quem nunca deveria ter acesso ao poder de determinar a violação daquela que deveria ser a inexpugnável assunção dos direitos e deveres que caracterizam a ação jornalística. Muitos dos casos nunca serão relatados. O medo pelas ações discriminatórias e chantagistas conduzem-nos para o domínio da autocensura, coartando não só o direito das cidadãs e dos cidadãos de aceder à verdade, como contribuem para aprofundar a crise do exercício de uma cidadania esclarecida, informada e com capacidade crítica. A dimensão deste problema tem diferentes condimentos e apresenta-se, consoante a dimensão dos órgãos de comunicação social, de formas distintas. Quem trabalha na comunicação social, com expressão nacional, consegue defender-se melhor dos que localmente e de forma estóica, tentam sobreviver, num ambiente hostil, à verdade dos factos. Uns queixam-se de ameaças, de conferências de imprensa sem direito a perguntas e impedimento de acesso a documentos; outros, remetidos ao silêncio, acabam por sofrer na pele por estar em causa a sobrevivência económica, com chantagens à sua dignidade profissional e, em muitos casos, por via da publicidade que lhes pode ser negada e que é essencial à sobrevivência dos meios de comunicação social onde trabalham. Todos sabemos que é assim. Eu conheci essa realidade durante 25 anos em que desenvolvi a minha atividade como jornalística e posso afirmar, publicamente, o sofrimento e a frustração de não poder escrever, ou simplesmente explorar as hipóteses de sucesso de uma potencial notícia ou reportagem. Como ultrapassar este problema e quais os meios que podemos explorar para tornar inócua a ação dos que diariamente exercem pressão e violam a Constituição? Só há uma forma: a da autonomia financeira e esta só se consegue se todos assumirmos que devemos pagar para que esta seja uma realidade, consagrando em lei do Orçamento nacional e nos orçamentos locais, uma verba destinada à Comunicação Social, que não dependa de quem gere os destinos do país, de uma região ou de uma localidade. É o preço a pagar pelo cumprimento do artigo 37 que consagra o direito à liberdade de expressão e informação. Estou convicto que se a violação deste artigo for assumida como um crime público e como tal, não dependente de queixa, mas sim de denúncia, daremos um passo de gigante para afirmar a Liberdade e a Democracia. Nesta matéria, preocupa-me que o debate político sobre esta matéria continue sem soluções, apresentando uma mão cheia de nada, sempre que o tema é discutido na praça pública. Os partidos políticos, os seus dirigentes, incluindo o Presidente da República, tem manifestam a sua preocupação com a sobrevivência dos órgãos de comunicação social, mas até hoje o seu contributo é pouco mais do que um lamento, enquanto o lápis azul, de má memória, continua a fazer o seu caminho, ainda que travestido. Se não há coragem, uma proposta, uma solução, uma ideia galvanizadora, então assumam-no e coloquem a questão à dimensão europeia, para que em Bruxelas possa surgir uma decisão que corrija os desmandos nacionais.

O portal artigo 37.pt será tão ou mais bem-sucedido se for capaz de se tornar consequente com as próprias denúncias que, se espera, venham a engrossar a capacidade de repulsa e de censura pública aos que continuam a violar em liberdade o que deveria ser intocável. É verdade que as portuguesas e os portugueses tem muitos problemas para de repente acrescentarem ao rol das suas preocupações, esta inquestionável verdade dos factos: em Portugal há censura por via da chantagem económica, há autocensura, há ameaças, há violação diária do artigo 37 e dizê-lo com frontalidade é o início de uma longa batalha para impedir que tal se perpetue. Não seremos uma Democracia plena, nem viveremos em liberdade com responsabilidade, enquanto permitirmos que os “artistas” que poluem a vida pública e a ela ascendem com condescendência coletiva, continuem a definir os destinos do país de forma incólume, sem condenação do que deveria ser considerado crime e devidamente punido pela opinião pública e pelos tribunais.

 
Autor: Paulo Sousa
DM

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5 dezembro 2021