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Os albatrozes da Opinião

São vorazes, velozes e raramente perdem uma oportunidade. Guiam-se por um sentido único: a conquista da presa. Não andam por cá, preferem os mares austrais, mas as suas características ajudam, por analogia, a perceber como em Portugal, ainda que transfigurados pelo vislumbre do poder de opinar, povoam e condicionam as presas (nós), à sua liberdade de influenciar. Contribuem, muitas vezes, de forma inusitada, para a afirmação entrópica e pouco para o esclarecimento das pessoas. No passado recente, em plena crise financeira, percebemos, facilmente, que o seu surgimento tinha mais a ver com o sentido de afirmação pessoal do que propriamente com a responsabilidade de quem, sendo especialista, podia ajudar a interpretar as preocupações dos mercados financeiros, com contenção e equilíbrio. Pelo contrário, sofremos com as suas opiniões, influências e tentativas de manipulação da própria realidade portuguesa. Sofremos, então, uma dupla tributação que custou ao país anos de desenvolvimento e crescimento. Dois anos após o surgimento da pandemia, olhámos para trás e para hoje e lá estão, em cada canto e esquina, especialistas aos pontapés, invejando o parceiro de profissão, a atirar-se ao mundo mediático como se estivesse em causa a sua sobrevivência. Se os anteriores eram consultores, economistas, especialistas e intérpretes, agora, vivemos sob a capa insuspeita de epidemiologistas, matemáticos, médicos especialistas em muitas áreas de quem nunca se ouviu falar. São tantos, que nomeá-los seria difícil. Mas todos os dias, os écrans enchem-se com a sua presença e ficámos a perceber que, nesta matéria, estamos muito bem no ranking internacional de comentadores por 100 mil habitantes. Não é só gritante a sua proliferação mediática, como chega a ser irritante a sua constante tendência para uma distopia que, sendo efémera, não deixa de ser preocupante, por lançarem mais dúvidas do que tranquilidade junto dos cidadãos. Habituámo-nos há muito aos treinadores de bancada, o que não sendo o caso (verdade se diga), demonstra, em primeiro lugar, a nossa debilidade coletiva para aceitarmos um grau de poluição opinativa muito superior ao desejável. há uma preocupante tendência para os encontrar aos molhos, divididos e disponíveis para nos deixarem um amargo de boca e a sensação de que a incerteza é a mãe que alimenta o segmento da histeria da próis onde se joga a vantagem de uns sobre a atenta ignorância de muitos, mais influenciáveis, menos informados e mais suscetíveis e maleáveis a ouvir e a assimilar. E a capacidade crítica que nos devia nortear? - Por onda anda essa disciplina que confere a cada um de nós, a possibilidade de distinguir o trigo do joio? Se na política é o que é, se na economia e finanças já conhecemos a radiografia, imagine-se a agonia em matéria de saúde. A responsabilidade, provavelmente, tem raízes que são estruturalmente o espelho da nossa debilidade cívica e democrática, mas, mesmo que, por instantes, pudéssemos maginar que vivíamos num país adjetivado pela nossa capacidade pessoal, o mais certo, era a consolidação da tendência muito portuguesa de pensar pouco e preferir o fast-food informativo servido pela hora de jantar. Esta tendência suicida para comer com a barriga dos outros, deveria ser uma preocupação a eliminar, começando nas escolas e a terminar em lugares-comuns como o local de trabalho ou o café. E, contudo, parece manter-se a vontade de ignorar estes sinais de perigo que minam a sociedade e nos deslocam para um universo de avatares. Tal prerrogativa lusa merecia uma resposta articulada e equilibrada entre o direito a ser informado e ouvir a opinião de quem sabe, com a capacidade da comunicação social e de cada um de nós para exigir o bom senso e eliminar a histeria dos comentadores. Mas esse é por ora um desejo e não passando disso, o melhor caminho é estarmos atentos e reduzirmos a nossa disponibilidade de escuta ao que dizem as entidades públicas de saúde. Como estamos todos a caminhar em terreno desconhecido (evolução pandémica e/ou endémica), é melhor uma decisão baseada na evolução dos factos do que as muitas verdades lançadas pelos albatrozes da opinião que, tendo direito a ela, deveriam preocupar-se com o mal que produzem nos outros (as cidadãs e os cidadãos) e menos na sua projeção mediática que, na maioria das vezes, não passa de palpites sobre o desconhecido. Se tivessem consciência do mal que causam, não jogariam com a nossa saúde coletiva como jogam no Euromilhões.


Autor: Paulo Sousa
DM

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9 janeiro 2022