Como é sabido, decorreu em Praga a Assembleia Continental. A caminhada Sinodal adquiriu um novo estímulo e os participantes trouxeram novas razões para que o sínodo continue, ou comece a entrar, nas agendas dos cristãos e das diferentes comunidades. Agora, poderá existir a tentação de se considerar que o trabalho confiado a todo o Povo de Deus já foi feito e que apenas resta esperar pelas decisões finais. No entanto, o Sínodo vai acontecendo quotidianamente.
Não é minha pretensão comentar os trabalhos realizados ou sublinhar pormenores que chegam até nós pela comunicação social. Haverá tempo para recolher a riqueza das diversas sínteses e das orientações a que conduziram; pretendo apenas sublinhar dois pormenores que me tocaram de modo particular.
Em primeiro lugar, no discurso de abertura, o Cardeal Grech, Secretário Geral do Sínodo, afirmou que era chegado o momento de a Igreja olhar para “dentro”, no sentido de ir concretizando as suas intuições: “Sinto a necessidade de sublinhar como, precisamente a partir desta etapa continental, devemos estar mais atentos às vozes “dentro” da Igreja, às que agitam e, muitas vezes, sacodem o corpo eclesial. Na consulta, conseguimos ouvir todas as vozes, menos a voz de quem não falou, porque não pôde ou não quis”.
Com estas palavras, pretende-se que o diálogo e a comunhão aconteçam sempre dentro da Igreja. O sínodo não é uma estrutura, mas um dinamismo interior que corresponsabiliza sempre, ou seja, a Igreja-hierarquia tem o dever de escutar, mas o povo tem de se assumir como protagonista da renovação eclesial, numa circularidade de comunhão permanente. Só a comunhão conduz a uma participação efetiva e a uma missão responsável. Trata-se de concretizar quanto o Cardeal Grech dizia na mesma ocasião: “Oferecer ao Povo de Deus uma participação ativa na vida da Igreja em nada prejudica o ministério hierárquico, pelo contrário”. Se algum caminho já foi percorrido, há muito mais para percorrer. Este surgirá por vontade e solicitação dos pastores, mas também pela espontaneidade e sinceridade dos cristãos. Importa salientar que este movimento de partilha não pode esperar; é chegada a hora de o ir vivenciando. Juntos, teremos de assumir a responsabilidade de dar à Igreja um rosto de maior credibilidade. Há muito trabalho para fazer.
Um outro pormenor a destacar na Assembleia de Praga refere-se à apresentação das sínteses por parte das diferentes Conferências. No que respeita à Conferência Portuguesa, esta fez uma partilha muito realista, não hesitando em abordar tensões e problemas fraturantes, assuntos que serão devidamente escrutinados em trabalhos futuros. Olho somente para o que considero ser um retrato do nosso modo de fazer pastoral. Se sínodo é conversão, realçar este pormenor da síntese é reconhecer a urgência da mudança de hábitos e rotinas. É de suma importância um empenho na erradicação de comportamentos não consentâneos com as exigências evangélicas e com as solicitações do Espírito. É hora não só de falar do que consideramos estar mal, mas de apostar numa renovação efetiva, só possível por obra de todos. Podemos esperar pelas conclusões, mas alterações concretas e verdadeiras mudanças de paradigmas devem acontecer desde já.
Diz a síntese: “Diante de modelos de pastoral gastos e distantes de um novo impulso evangelizador, o clericalismo obstaculiza a mudança, o legalismo arbitrário afasta os fiéis e o rosto burocrático de muitas comunidades são geradores de tensão e muitas vezes de abandono”.
Há aqui um conjunto de palavras que se repetem nos momentos de revisão e reflexão. Muitas vezes cansamo-nos pela insistência com que elas são usadas. Parece que não as queremos ouvir mais. A realidade, porém, confirma a sua atualidade e a urgência em tomar decisões sérias. Se cada um não quiser ou não for capaz de as acolher como desafio, continuaremos a “bater no ceguinho” e a esperar que sejam os outros a realizar o que deveria ser assumido por todos como tarefa prioritária. Se não podemos adiar, também não podemos olhar para o lado, desculpando-nos com a inércia de alguns. Sabemos que as revoluções começaram por poucos, e que o testemunho, mesmo se isolado, será profético. Daí a importância de se reverem, desde já, os modelos de pastoral que ainda se vão adotando e de reconhecermos que o clericalismo, o legalismo e a burocracia nos acompanham no quotidiano e são causa de muitos males na Igreja. O Sínodo deverá ser esta pedra no charco, capaz de desmantelar paradigmas que já não convencem ninguém.
Quando o Cardeal Grech afirmava que era hora de olhar para dentro da Igreja, pretendia que o diálogo interno continuasse, mas, na verdade, pensava concretamente nas coisas que são um verdadeiro muro, quase intransponível, à renovação eclesial. Os diagnósticos estão feitos e as interpelações do exterior são evidentes. Passemos, desde já, à ação.
Autor: D. Jorge Ortiga