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Olhando à nossa volta

Com o mês de julho a chegar ao fim, inicia-se um período de autêntico pousio político conhecido pela expressão inglesa silly season que corresponde ao tempo estival de férias, em que grande parte das atividades se reduzem e as notícias relevantes não abundam. É altura de recarregar energias, refletir sobre o que já ficou para trás e projetar o futuro. É este exercício de reflexão e de lançamento do amanhã que nos espera, o cerne desta breve análise. Espraiando os sentidos pelo Mundo, dizer que está mais perigoso com as inconsistências e os absurdos de Donald Trump, é infelizmente um lugar-comum. Contudo, é uma realidade a que não podemos fugir e que devemos enfrentar com a perseverança ancorada no culto da liberdade e nos fundamentos da ordem democrática erigida no pós-guerra e consolidada com o fim do Muro de Berlim. Se nos cingirmos apenas à Europa, confirmaremos que a sua situação atual é também demasiado perigosa e preocupante. A eclosão de movimentos populistas e xenófobos em diversas latitudes, a subida ao poder de partidos com estas características na Áustria, na Hungria e mais recentemente em Itália, a par da grande embrulhada trazida pelo Brexit e a crise dos migrantes não auguram grandes otimismos. Se a situação a nível externo é inquietante e pouco tranquilizadora, internamente, apesar das aparências, há uma realidade não muito diferente. De facto, a observação isenta e objetiva mostra um Portugal menos acabrunhado, mais confiante, mas ainda bastante desconfiado. O apregoado e repetido fim da austeridade, bem mais aparente do que real, e a melhoria dos indicadores económicos têm contribuído para este plácido estado de alma dos portugueses. Porém, o receio do regresso de tempos ainda bem presentes na memória coletiva traz prudência e um certo grau de incerteza. Haverá razões suficientes para este retrato simultaneamente de esperança e de apreensão? Se repararmos friamente no que se passa em diversos setores da sociedade portuguesa, verificamos que se por um lado há alguns sinais de satisfação, por outro permanecem motivos de grande desconfiança. O que se vai ouvindo de áreas tão fundamentais como a Educação ou a Saúde, é por si só intimidante. E o que dizer das greves sem fim à vista, como o atual braço-de-ferro dos professores? Em diferente patamar, mas não menos importante, como interpretar a falta de esclarecimento sobre o extravio de material de guerra da base de Tancos, ou o arrastar de megaprocessos na Justiça? Na verdade, se para o cauteloso otimismo do povo português muito tem contribuído a conjuntura de que o país tem beneficiado e de que é bom exemplo o aumento exponencial do turismo, em sentido contrário, a degradação do ambiente externo e a inação em áreas cruciais da atividade nacional contribuem, certamente, para alguma inquietação e muitas dúvidas. Estas últimas circunstâncias são a razão deste retrato nubloso. Uma outra muito idêntica é a indecisão que paira sobre a aprovação do Orçamento para o ano de 2019 e as consequências que a sua não aprovação traria para o país. No último ano da legislatura, adivinhava-se que as ideologias e as discrepâncias dos partidos da extrema-esquerda que suportam o Governo seriam muito mais vincadas. Com eleições no horizonte, nenhum deles pretende defraudar o seu potencial eleitorado, sob pena de ser fortemente penalizado nas urnas. Por isso, ninguém se deve admirar se até ao fecho das negociações houver posições e contraposições, exigências e concessões e até ameaças de rompimento da atual solução governativa. No fim, acredito que prevalecerá o acordo que permitiu aqui chegar e não haverá lugar a nenhuma crise política que faça mergulhar o país na instabilidade. Nenhum dos proponentes arriscará ficar com o ónus de precipitar eleições antecipadas. Todavia, em política, não raras vezes, o tempo é fértil em surpresas e em desenlaces inimagináveis.
Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira
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24 julho 2018