twitter

Ocorrência em Borba: irresponsabilidade empresarial e oficial

Ao deparar com as fotografias aéreas da área das pedreiras de extração de mármore Borba-Vila Viçosa, torna-se surpreendente como é possível permitir que a exploração de duas pedreiras contíguas avance em direção a uma rede viária, tornando-as separadas apenas por muro natural e de calcário fraturado e com argila.

As formações calcárias metamórficas (mármore) ao longo de milhões de anos, além de sofrerem fraturas como consequência de sismos ou de outros movimentos da crosta terrestre, são também atingidas pela circulação de água acidificada que vai dissolvendo o calcário e criando canais de circulação subterrânea, libertando, ao mesmo tempo, argila vermelha, com grande perigosidade de deslizamento dos afloramentos a nível superficial ou subterrâneo.

Como é possível permitir o avanço de uma exploração sem as áreas de segurança adequadas a este tipo de rocha?

Embora as fiscalizações possam ter sido feitas pela Direção de Geologia e Minas e agora pela Direção-Geral de Energia e Geologia, custa a aceitar que os técnicos geólogos ou engenheiros de minas, não tivessem alertado há muitos anos para esta situação de alto risco de deslizamento e não a fizesse constar nos seus relatórios.

Teriam aqui os interesses empresariais ou outros sido ultrapassados pelos pareceres assertivos das entidades responsáveis e pela fiscalização? Nunca as entidades empresariais ou responsáveis pelo controlo da extração do mármore ou outro tipo de rocha, deveriam deixar de acompanhar periodicamente os avanços da exploração e de ver “in loco” ocorrências estruturais geológicas, capazes de originar deslizamentos ou abatimentos de formações rochosas calcárias, como consequência das infiltrações ou alterações climatéricas ou de explorações subterrâneas por baixo das vias viárias portuárias, aeroportuárias ou de outro tipo de edificado.

A quem atribuir a responsabilidade: todas as pedreiras devem ter um geólogo geotécnico ou engenheiro de minas que acompanhe a extração e a metodologias de exploração mais adequada ao tipo de rocha e afloramento rochoso. É obrigatório por lei. Por outro lado, os serviços oficiais devem proceder a fiscalizações periódicas e dar o seu parecer favorável à continuidade da exploração ou alertando para ocorrências geo-estruturais, conducentes a situações de risco.

Em situações de risco as empresas devem ser avisadas, assim como as autarquias ou entidades oficiais responsáveis pelo acompanhamento das atividades nesta área de recursos materiais, devendo atuar com rigor e isenção para proteger a população instalada nestas áreas, tomando as medidas imediatas de interesse público e salvaguardando os cidadãos dos riscos advenientes de ocorrências materiais, resultantes da atividade extrativa do subsolo. Estas ocorrências têm dimensão diferente e consequências diversas, conforme os diferentes tipos de afloramentos rochosos.

Este acidente ocorrido numa pedreira de Borba, leva-nos a equacionar as seguintes questões: há anos atrás os serviços de Geologia e Minas estavam bem estruturados, a nível regional e nacional, em que os lugares eram ocupados por técnicos competentes, experientes e em número suficiente e conhecedores da sua área de atuação;

estes serviços têm-se vindo a degradar, como consequência do envelhecimento e reforma de técnicos competentes, sem serem substituídos e, ao mesmo tempo, sem meios materiais e financeiros para atuarem na fiscalização diversificada nas diferentes áreas em exploração ou extração rochosa; os quadros técnicos devem ter continuidade nas admissões e nas reformas, para passagem de testemunho, e para lhes ser transmitida a experiência observada “in loco”;

infelizmente os recursos humanos têm vindo a ser reduzidos de uma forma drástica e os poucos admitidos poderiam não ter tido a oportunidade de absorver a experiência pragmática no terreno dos colegas conhecedores das realidades geológicas locais ou regionais. É preciso calcorrear o terreno, conhecer os afloramentos rochosos e os fenómenos tectónicos ali ocorrentes para poder emitir pareceres rigorosos e tecnicamente esclarecedores para as decisões das entidades oficiais;

e todas as Câmaras Municipais deviam ter uma secção ligada às áreas da geotecnia e geohidrologia, ou estabelecer parceria em rede com outras autarquias com profissionais desta área, tendo em vista a construção do edificado anti-sísmico e ao mesmo tempo acompanhar ou dar seguimento aos relatórios recebidos das entidades competentes, para atuarem com objetividade imediata, ou então acompanharem tecnicamente ocorrências evidentes, como o deslizamento de terrenos ou de afloramentos rochosos, como consequência de fenómenos climatéricos mais acentuados ou de grande continuidade.

No país vive-se uma realidade burocrática e centralizadora, sem meios financeiros e materiais para acompanhar no terreno os projetos de ordem diversa, permanecendo nos serviços os poucos técnicos, impedidos de se deslocarem às pedreiras ou explorações mineiras, pois é fundamental pisar o terreno, conhecer as formações geológicas e a geotectónica local e regional, para poder emitir os relatórios ou pareceres com segurança, pragmatismo e objetividade para as decisões adequadas e responsáveis.

Nas áreas da geologia, da tectónica, da pesquisa de recursos naturais e da sua exploração, assim como da hidrogeologia é preciso estar no terreno ao longo de vários anos para os técnicos se possam pronunciar e dar pareceres adaptados a cada realidade e a cada local. Infelizmente, em Portugal as estruturas nesta área estão a ser destruídas há anos, sem recursos humanos e sem meios financeiros para ampliarem a sua missão. Fala-se muito e pouco se concretiza no terreno, pois devia haver continuidade dos quadros técnicos, independentemente dos governos e dos arcos partidários, assim como é necessário acabar com a centralização avassaladora.

Portugal perdeu uma grande oportunidade de se descentralizar, aproveitando o excelente trabalho realizado por diversas entidades, destacando-se as cinco Comissões de Coordenação das Regiões, com um trabalho notável e que tem sido destruído progressivamente ao longo das últimas décadas.

É preciso voltar a pensar o país de uma maneira diferente, voltar a dar responsabilidade às entidades autárquicas e regionais, progressivamente e dentro de um planeamento estruturado, executável com objetividade e com meios financeiros disponíveis.

A descentralização tem de ser adequada, com orçamentos próprios e geridos responsavelmente, sendo necessário acabar com as cativações paralisantes do bom funcionamento dos serviços, do endividamento progressivo das empresas, instituições do terceiro setor e das entidades oficiais e consequente desenvolvimento da economia do país.


Autor: Bernardo Reis
DM

DM

8 dezembro 2018