A silly season deste ano não se pautou pela tranquilidade da informação mais frívola de outros tempos, decorrendo num período de especial incerteza face ao aumento de novos casos do Covid 19, que não se projeta venham a diminuir enquanto não surgir a tão desejada vacina e que levou o governo a anunciar que todo o país ficará em Estado de Contingência a partir do dia 15 de setembro.
O início de setembro que usualmente decreta o fim dessa época, para além da reabertura dos Tribunais, findo o período de férias judiciais e da inqualificável manutenção desse catalisador do vírus que é a Festa do Avante, uma afronta a todos os que, por exemplo, não tiveram as Festas de S. João ou as procissões da Semana Santa, reposicionou numa extensão pública participada a questão da exigência da frequência das aulas de educação para a cidadania e da sanção para a sua inobservância.
O assunto é sério e, sendo certo que já vem do mês de junho, ganhou notoriedade com a notícia de um abaixo-assinado a favor do respeito pela objeção de consciência dos pais que não queiram que os seus filhos frequentem a disciplina escolar de Educação para a Cidadania e o Desenvolvimento (ECD) e que, segundo revela o “Observador”, juntou personalidades tais como o cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, o ex-Presidente Aníbal Cavaco Silva, o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e o deputado do PS Sérgio Sousa Pinto.
O abaixo-assinado surge na sequência do caso de dois irmãos, com 12 e 14 anos, que por decisão dos seus pais não frequentaram as aulas de ECD por objeção de Consciência, entendendo que os tópicos da disciplina (Sexualidade, Género, Interculturalidade, Média, Ambiente… etc.) são da responsabilidade educativa das famílias e não do Estado.
O tema não seria notícia, até porque a escola, no ano letivo de 2018/2019, através da sensatez do Conselho de Turma, passou ambos os alunos que têm nota máxima nas outras disciplinas, não fora um despacho do dia 15 de Junho de 2020 do Secretário de Estado da Educação que, retroativamente, anulou a decisão do Conselho de Turmapela qual foi concretizada a transição dos dois alunos o que, juntamente com a decisão da escola de retê-los no ano 19/20, implica a repetição de dois anos escolares. De acordo com o despacho, o irmão que deveria começar o 7.º ano em Setembro, volta para o 5.º, e o outro que deveria passar para o 9.º ano, volta para o 7.º.
O castigo é brutal e num contexto de uma política do Ministério da Educação de promoção de redução de reprovações de forma transversal no sistema educativo, mesmo quando os alunos têm várias “negativas”, fez emergir interpretações apoiadas em conceções puramente ideológicas, fazendo também refletir se foram observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
O caso encontra-se a ser julgado no TAF de Braga, encontrando-se a decisão suspensa no âmbito de providência cautelar intentada pelos pais, o que não impede os cidadãos de expressarem as suas opiniões.
Aqui importa avaliar a posição dos pais no contexto da educação e formação moral e ética dos filhos menores. O artigo 36.º, n.º 5 da Constituição é claro ao prescrever que “Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”, o que constitui um verdadeiro direito-dever subjetivo e não uma mera norma programática. A DUDH vai no mesmo sentido. O Estado tem um dever de colaboração nessa educação, assegurando o ensino básico universal e gratuito – artigo 74º, nº 2, al. a) da Constituição. Mas o Estado não pode programar a educação segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas, conforme dispõe o artigo 43º, nº 2 da Lei fundamental, que no seu n.º 1 garante a liberdade de aprender.
Se, justificada e razoavelmente, da análise da matéria da disciplina pelo pais resultar que existe programação e diretrizes ideológicas ou religiosas que ofendem irremediavelmente os princípios com que se propõe educar os filhos, afigura-se-me que deve assistir aos pais o direito a invocar a objeção de consciência neste domínio.
Autor: Carlos Vilas Boas