Recordo com saudade alguns tempos da minha infância – aliás, poderia dizer com segurança: todos os tempos da minha infância –, apesar de, por vezes, sobretudo pela parte da minha mãe, ouvir os habituais ralhetes e as frequentes admoestações, que agora me sabem a saudade e, na altura, me faziam ficar sério e até aborrecido. Um exemplo: aproximava-se o dia de Natal e manifestei-lhe o meu interesse em chegar a essa data com rapidez, porque “estava em pulgas” para ver as prendas nos sapatinhos, que eram colocados por mim e pelos meus irmãos, junto à borda do presépio na noite da “Consoada”.
A primeira coisa que eu fazia ao acordar no dia de Natal era dar um salto na cama – nesse despertar morria toda a preguiça dos outras manhãs –, e correr com pressa até ao Presépio. E, na verdade, o “Menino Jesus” era muito meu amigo e sabia bem o que eu queria, porque, com alguma excepção, sempre encontrava no meu sapato os presentes que lhe havia pedido.
A minha mãe, com a serenidade e a paciência de uma boa educadora, quando lhe revelei a minha apressada ansiedade pela manhã do próximo dia 25, disse-me com calma e serenidade. “Está bem que te alegres com as prendas... Mas que elas não te façam esquecer que o mais importante desse dia não são as prendas, mas os parabéns que devemos dar ao Menino Jesus no seu aniversário”.
Fiquei pensativo, porque não me lembrava dessa realidade como devia. As prendas eram o meu contentamento para o Natal, não o nascimento de Jesus (pensei), a quem rezava todos os dias. E senti uma certa aspereza pela observação da minha progenitora, em virtude de me recordar que, um ano antes, a uma irmã que se tinha esquecido de me dar os parabéns no meu aniversário, lhe disse, com tristeza e com dureza, algumas “verdades” fortes sobre o seu comportamento alheado e pouco delicado para comigo.
Estamos a aproximar-nos do dia de Natal. Essa data inesquecível e tão carinhosa para os cristãos, deve por eles ser encarada de acordo com o sentido da admoestação que me fez quem me trouxe ao mundo. Certamente que haverá muitas prendas, muitas ornamentações caseiras, uma melhoria substancial e agradável na gastronomia, talvez uma reunião familiar mais alargada, etc.... Mas não se ponha de lado o essencial. Que tudo isso não se transforme numa espécie de folclore, que nos leve a pôr de lado ou no recanto do esquecimento o verdadeiro aniversariante desse dia.
Para um cristão, o Natal deve ser focado mais intensamente em Jesus Cristo, esse Menino imberbe, acabado de vir ao mundo, que cresceu no seio de sua Mãe, Maria Santíssima, e teve como primeira morada um estábulo, uma corte de animais, não uma casa, um lar humano, porque todas as tentativas de S. José de o encontrar saíram goradas. Nós, homens não O recebemos da maneira mais delicada.
E esse Menino, que é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade que encarnou, espera de nós que O felicitemos devidamente, dando ao seu dia de aniversário toda relevância exemplar que a sua presença no Presépio – que certamente faremos com carinho na nossa casa - desperta em nós. Ele vem, com todo o exemplo de uma vida de entrega completa à vontade de Seu Pai, Deus, para nos restituir aquilo que constituiu o sentido mais profundo da nossa criação, da nossa vinda ao mundo: entrarmos um dia no Reino dos Céus, participando da felicidade perfeita e perpétua de Deus. Essa regalia fora banida com o pecado dos nossos primeiros pais, Adão e Eva, já que, com ingenuidade e também orgulhosa auto-suficiência, deram mais crédito aos ditames do demónio, um mentiroso encartado e sem escrúpulos, do que às recomendações do Criador que, ao trazê-los à vida, os avisara dos perigos que podiam correr se Lhe desobedecessem.
O dia de Natal é com certeza uma data alegre, em que tantas e tantas situações mais dolorosas da nossa vida são esquecidas nessa convivência amistosa de pessoas que se estimam e têm laços de relação umas com as outras muito íntimos e profundamente familiares. Que sejam abundantes as prendas e as ornamentações, os abraços, os reencontros efusivos de quem talvez não se vê senão nessa altura do ano... Mas não esquecer que a razão principal de um ambiente tão festivo é o Menino que se encontra deitado nas palhinhas da manjedoira, velado pelos olhos carinhosos de Sua Mãe, Maria Santíssima, de S. José e dos pastores que ali acorreram, avisados pelos anjos que davam glória a Deus nos Céus, pelo nascimento de Jesus, nosso Redentor.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva