“A possibilidade de inovar/mudar sempre está aí, se estamos dispostos a refletir, a soltar as certezas de estar onde estamos e a perguntarmo-nos se queremos estar onde estamos.”
Humberto Maturana
Para conhecer e compreender a realidade é preciso ir além do objetivismo, da fragmentação, da racionalidade técnica, do pensamento homogéneo, do distanciamento entre o sujeito e o objeto. Os sujeitos humanos estamos inseridos num espaço-tempo que denominamos sociedade, que transmite cultura, valores e conhecimentos. Assim, somos produto e produtores de cultura e consequentemente, produto e produtores de conhecimentos. O ato de conhecer faz com que o conhecimento não possa ser dissociado da vida humana do próprio sujeito e da relação bio-socio-cultural.
Complexidade é o pensamento capaz de reunir, de contextualizar, de globalizar, mas ao mesmo tempo, capaz de reconhecer o singular, o individual e o concreto. A complexidade é uma atitude que desafia a busca de algo que pode ter faltado na elucidação de um qualquer fenómeno e que está aberta à possibilidade de desconstrução de alguma conclusão prévia. Explicações desdobram, separam e especificam.
A compreensão busca as relações das partes entre si; das partes com as totalidades; das totalidades com as partes; das totalidades com as relações das partes entre si e destas relações das partes entre si com as totalidades. Formados no culto das ideias claras, das teorias explicativas, do método que só pode ser contestado/superado por outro, sempre que este não seja um anti método, e na convicção de que, na posse destes elementos, podemos tomar decisões tidas como certas, parece necessário reconhecer alguns limites no que se refere ao que sabemos que achamos que sabemos.
O conhecimento do conhecimento é um pensamento-dialógico-reflexivo-hologramático que, ao evitar as dicotomias do holismo/reducionismo, do construtivismo/realismo e do espiritualismo/materialismo, permite deslocar e ultrapassar o problema dos fundamentos do conhecimento.
Como seres humanos aderimos a certas teorias – sistemas de argumentos que se articulam coerentemente com as regularidades do nosso viver – e que assumimos como sistemas explicativos. Quando adotamos uma teoria, as suas noções e conceitos básicos transformam-se nos referentes operacionais-relacionais desde onde vivemos as distintas dimensões do nosso viver. Isto quer dizer que esses domínios, noções e conceitos, determinam a cada instante, consciente e inconsciente, as redes de conversações que podemos gerar e aquelas em que não queremos participar.
Uma teoria é sempre uma rede de conversações fechada que nega a possibilidade de refletir sobre os fundamentos que supostamente lhe dão validade. Todo o sistema de argumentos protege-se das contra-argumentações pelo que, quando alguém começa a desafiar os fundamentos que supostamente dão validade ao corpo teórico, este alguém é posto de parte, explícita ou implicitamente, dessa rede de conversações.
Um sistema explicativo qualquer, que vivemos como uma rede fechada de conversações que nega a possibilidade de refletir sobre os seus fundamentos, gera pensamento acrítico que se constitui num viver de negação de qualquer possibilidade de reflexão individual ou coletivo. Mas, pode ocorrer que, desde a multidimensionalidade do nosso sentir íntimo surja a não admissibilidade, o desejo contraditório de refletir sobre aquilo que não deveríamos. Perder a cegueira do bem-estar psíquico que se queria assegurar, consciente ou inconscientemente, gera o mal-estar da frustração. Isto surge como necessidade gerada pela dor de uma curiosidade insatisfeita que bloqueia a possibilidade de acesso ao conhecer enquanto fenómeno complexo no ato do viver que dá sentido e movimento.
Ao longo das nossas vidas, fazemos tudo o que podemos para diminuir as variáveis e aumentar o que chamamos de constantes. No entanto, há um limite para a aquisição de certezas, o saudável limite que pode estar marcado pela real necessidade de testar as próprias convicções.
Há circunstâncias afetivas que nos levam de encontro a essas necessidades, que poderão transformar-se em desejo. Há quem aceite conscientemente o desafio e queira fazer do seu viver uma busca constante onde a próxima pergunta é substancialmente mais importante que qualquer resposta, que aliás é vista sempre como transitória, uma desconstrução permanente do que se deseja e não se deseja querer conservar para continuar a mudar, com a certeza de não haver certezas permanentes e aberto à surpresa das incertezas determinadas pelo ato de meditar-refletir.
Referências bibliográficas:
Dávila, X. & Maturana, H. (2009) Vivir en el paraíso: El hacer sin esfuerzo. La naturaleza biológica cultural del hacer sin esfuerzo. Santiago: Instituto Matríztico.
Morin, E. (2015) O Método III. O conhecimento do conhecimento. Porto Alegre: Sulina.
Autor: Pável Modernell