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O VALOR DA AMIZADE E O DIA EM QUE MÁRIO SOARES VEIO A BRAGA POR SÁ CARNEIRO

Quis a forte vontade, a admiração e as circunstâncias da vida que eu fosse pessoalmente responsável pela iniciativa e organização das duas melhores sessões evocativas de Sá Carneiro realizadas em Braga pelos órgãos dirigentes concelhios do PSD.

A primeira sessão foi realizada nos anos noventa, com Fernando Barbosa e Silva Presidente do PSD e a segunda ocorreu cerca de uma década mais tarde e foi presidida pelo então vereador da oposição Ricardo Rio, com a participação de Mário Soares, Fernando Alberto Ribeiro da Silva, Pacheco Pereira e Miguel Veiga.

Foi meu desejo, apoiado por Ricardo Rio, que esta sessão evocativa do pensamento político de Sá Carneiro tivesse a participação de um seu adversário político; pensei em Mário Soares tendo excluído, por razões óbvias, Ramalho Eanes.

Desde criança que tenho referências pessoais fortes sobre Sá Carneiro e Miguel Veiga amigos, desde os bancos da escola, de meu pai Telmo Barbosa, engenheiro civil e vereador da oposição nos anos oitenta: o meu pai foi colega de Sá Carneiro no colégio Almeida Garrett e mais tarde no Liceu D. Manuel II, no Porto. Foram inclusive colegas de carteira, na fila da frente por Sá Carneiro ser de estatura pequena e o meu pai ser míope. Era uma amizade muito genuína, cheia de humor e verdadeira, como comprovei muitas vezes, caraterísticas das amizades autênticas.

Foi também devido à ligação pessoal de Sá Carneiro com o meu pai que a sua mãe – Senhora Dona Francisca Costa Leite – acedeu ao seu pedido para inaugurar a atual sede do PSD de Braga, já após o falecimento do seu filho na tragédia aérea.

Assim, após convidar Miguel Veiga pedi que convidasse Mário Soares para a sessão evocativa sobre Sá Carneiro, conhecendo a forte amizade que os unia. Alguns dias depois Mário Soares ligou-me para combinarmos as datas e o local.

Um dia volto a receber um telefonema de Mário Soares, no qual percebi alguma discreta inquietude pela sessão ter origem no PSD, tendo-me indagado, com a sua voz caraterística : “… e como é ? “. Tranquilizei-o, dizendo que a sessão teria lugar na Associação Comercial de Braga, com convite aberto a toda a população e sem símbolos do partido. E Mário Soares confiou!

A sessão foi antecedida por um jantar, organizado por João Granja, no restaurante O Alexandre no Campo das Hortas, tendo eu avisado o João que Mário Soares, detestava papas de sarrabulho, conforme a sua secretária Osita Eleutério, me tinha indicado. Escusado será dizer, para minha grande irritação com o João, que a entrada teve mesmo umas deliciosas papinhas como entrada. Ele ainda hoje me ouve sobre isso.

Bom, o jantar foi muito divertido, com Pacheco Pereiro, Miguel Veiga, Fernando Alberto e outras pessoas bem-humoradas e conversadoras, tendo Mário Soares, além de evitado as papas, contado imensas histórias inclusive sobre Salazar mas de uma maneira muito contrastante quando se referia a ele em público. Fê-lo com muito humor e até parecia com alguma consideração pela sua figura, o que me espantou. Espantou a mim e a alguns de nós. Conversou também imenso com Ricardo Rio e com Fernando Alberto.

De repente, eis que o Cónego Melo – que jantava na sala térrea - sobe as escadas e se dirige à nossa mesa. Imediatamente Mário Soares se levanta e dão um profundo e longo abraço, sussurrando os dois longamente ao ouvido, tendo o Cónego se ausentado alguns minutos a seguir. O que sobre ele Mário Soares depois disse, fica reservado a quem o ouviu.

A sessão estava apinhada de gente: gente nas cadeiras, em pé, gente nos corredores, nos espaços laterais, junto à porta. Era gente, gente, gente por todo o lado, inclusive destacados militantes do PS de Braga, assim como os três canais de televisão. Não me esqueço do bom trabalho logístico realizado por Rui Pereira e João Correia, hoje dois excelentes colaboradoras da autarquia.

Mário Soares falou de Sá Carneiro, com referências especiais à sua inteligência, cultura mas principalmente coragem e coerência. Também referiu, num registo curioso à época em Braga, que política e negócios nunca se deveriam misturar. Referiu como exemplo, a suspensão da sua inscrição na Ordem de Advogados, uma vez que entendia a defesa dos interesses privados dos seus clientes incompatível com a função de Secretário Geral do PS na qual teria de atender apenas e só o interesse público.

A sessão teve também uma intervenção profunda de Pacheco Pereira sobre o pensamento político de Sá Carneiro bem como de Miguel Veiga de fino recorte literário.

Assim foi possível uma digna homenagem a um dos maiores estadistas do Portugal contemporâneo através da amizade. Amizade entre Sá Carneiro, o meu pai e Miguel Veiga, sem esquecer Fernando Alberto, por um lado, e entre Mário Soares e Miguel Veiga, sem excluir Pacheco Pereira, pelo outro, tendo eu conseguido ser o elo de ligação entre todos.


Autor: Joaquim Barbosa
DM

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3 junho 2020