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O talento dá trabalho

Qualquer treinador que encare a sua ação de forma pedagógica e exigente, espera sempre que as suas observações, por pequenas e insignificantes, sejam ouvidas, filtradas, perseguidas e encaradas de forma a melhorar a prestação do atleta e da equipa. No entanto, para muitos pais, isso é muita exigência e, “coitadinho, ele é tão talentoso, não precisa, o problema está nos outros…”

Há uma analogia que uso regularmente: um atleta é como uma botija de gás, mesmo que tenha muito gás (talento), precisa sempre de uma ligação (treino) e ignição (trabalho) para ser produzido alguma chama (resultado). De facto, quanto mais talento possuir um atleta, mais trabalho lhe deve ser exigido. O desporto valoriza a pessoa como ela é, dando-lhe a possibilidade de ser mais capaz, mais forte e sistémica na perseguição de algumas metas, acima de tudo, pode ser uma oportunidade extraordinária para construção da personalidade. Em muitas situações vive-se uma luta constante entre o dever e o prazer. De perseguição pela perfeição e pelo detalhe. Na minha perspetiva, o talento só poderá ser produto… do trabalho árduo.

É usual que os atletas, quando desde cedo reúnem algumas condições de excelência para a modalidade, corram um risco desmedido de se acomodarem a esse talento e passem a ser, um pouco, arrogantes, perante as críticas ou observações dos outros. Da minha experiência, posso asseverar, e acredito, que quanto mais talento tem um atleta, mais deva ser “puxada a corda”, de forma a conduzir e a extrair todo o potencial que possui.

Uma das situações mais importantes no seio de um grupo, quando existe alguém talentoso, é que este seja capaz de colocar os outros a jogar melhor. Na verdade, principalmente no trabalho em equipas, em que os atletas são todos distintos, o que funciona com uns, poderá não funcionar com outros. Pelo que, uma coisa é certa: para pessoas diferentes, medidas diferentes, mas a atitude terá que ser a mesma!

Muitas pessoas criticam o CR7, mas, na realidade e nesta matéria, é o exemplo do atleta que, com talento, foi capaz de trabalhar arduamente para atingir um plano extremo de competência.  

Muitos pais ainda não entenderam os reais valores do Desporto, ainda não conseguiram perceber os efeitos que poderão exercer nos seus filhos, nomeadamente, na forma respeitosa, e entusiasta, como enfrentam a sua atividade desportiva. Muitos pais cometem um grave erro quando transformam os seus filhos em “reis”, a quem se fazem as vontades todas, a quem tudo se tolera e tudo é permitido. Hoje, poucas são as crianças que aprendem o valor da persistência. Poucas são as crianças e jovens que são sujeitas a uma luta, diária, intensa, por determinados objetivos.

As adversidades são enfrentadas com pouca convicção, pouca determinação, pouca autonomia. O caminho preferido é o mais fácil… Para mim, o talento está naquele que se preocupa com a aprendizagem, com a evolução, com o pormenor, com o compromisso de estar focado na excelência e na persistência. 

 


Autor: Carlos Dias
DM

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31 março 2017