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O seu a seu dono

A expectativa de cada um de nós é que os impostos que pagamos sejam transformados em investimento, beneficiando não só as expectativas de ver melhorada a qualidade vida, como a equidade territorial, na hora do Estado redistribuir o que amealha. Infelizmente, a realidade impede o que, para além de legítimo, deveria ser uma prerrogativa nacional. Em Portugal, as autarquias estão sujeitas ao que se pode designar como a chantagem do centralismo lisboeta que absorve uma boa parte dos impostos pagos pelas empresas que ali registam a sua sede social, apesar dos seus produtos e serviços serem desenvolvidos noutras latitudes do país. Li na passada sexta-feira que o concelho de Braga está em quarto e não em terceiro lugar no ranking das exportações nacionais, porque muitas empresas tem a sua sede social na capital, engrossando, assim, de forma distorcida, a arrecadação dos impostos a favor de Lisboa. O prejuízo para Braga (é só um exemplo) é enorme, prejudica-o na arrecadação de receita devida, que muita falta faz para elevar os padrões de vida que colocam os lisboetas acima da média do rendimento nacional, sem que para tal o seu tecido produtivo real o mereça. Não é de agora, a cidade de Lisboa sempre beneficiou, sem esforço e de forma líquida, do trabalho e da produção nacional. Em 2013, se a memória não me falha, escrevi um artigo, citando a diferença abismal que existia em Lisboa, entre importações de bens, nomeadamente duradouros e o valor em exportações. Estes dados, que se tornaram públicos, nunca mereceram uma avaliação política, ninguém os questionou severamente, permitindo que as estatísticas engrossassem a favor da capital, à medida que as necessidades de obtenção de financiamento nacional e comunitário das empresas cresceram. Neste momento, lamentavelmente, não se vislumbra de forma transparente, a verdadeira dimensão do problema, dado que nem o ministério das Finanças, nem o INE, Pordata ou outras entidades institucionais ou associativas, têm dados que permitam perceber a distorção de um problema que é estruturalmente antagónico ao propósito político, repetidamente abordado, sobre a necessidade de combater as assimetrias no país. Vale a pena falar de regionalização ou descentralização, quando a redistribuição dos impostos obedece a critérios obsoletos como aquele que hoje vigora? Chega a ser “patético” ver o esforço de muitos municípios proporcionarem condições vantajosas às empresas, desde redução ou até dispensa de pagamento de variadas taxas, oferta de terrenos e outros benefícios, ao mesmo tempo que, como forma de manterem o seu poder de influência, os empresários viram as costas, deslocam a sua sede social para Lisboa para poderem usufruir rapidamente dos benefícios estatais que tem a tendência de privilegiar “a proximidade” legítima mas imoral dos empresários. Esta é ou não uma questão pertinente, deve ou não merecer uma revolta dos autarcas de todo o país que lutam por migalhas, enquanto o pão é soberbamente servido à mesa da capital? Se fosse possível fazer um levantamento da real situação do setor produtivo, penso que não erraria se Lisboa deixasse o ranking dos principais exportadores e dos municípios mais produtivos. Mas, infelizmente, a ausência de uma política de transparência, permite distorções como aquela a que assistimos esta semana num debate sobre a economia pós Covide, em que participaram, entre outros, os presidentes de Câmara de Cascais e Braga. O primeiro não teve pejo em afirmar que os carros de empresas que circulavam em Braga pagavam o IUC em Cascais, distorcendo, por exemplo, a capacidade de desenvolver as mesmas políticas sociais de que beneficiam os moradores da cidade da orla lisboeta, como é o caso dos transportes gratuitos que a capital minhota não pode garantir. Como inverter esta realidade que alimenta quem não produz e prejudica quem investe? Um bom tema para ser assumido pelos deputados eleitos por Braga, na Assembleia da República e que pode bem ser, se for esse o desejo dos seus responsáveis, uma questão para uma investigação aprofundada pela Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho. Fica o repto
Autor: Paulo Sousa
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21 junho 2020