1. Recordo o texto da Carta de Santiago (2, 1-5), proclamado na Missa do passado domingo:
«A fé em Nosso Senhor Jesus Cristo não deve admitir aceção de pessoas.
Pode acontecer que na vossa assembleia entre um homem bem vestido e com anéis de ouro e entre também um pobre e mal vestido.
Talvez olheis para o homem bem vestido e lhe digais: «Tu, senta-te aqui em bom lugar», e ao pobre: «Tu, fica aí de pé», ou então: «Senta-te aí, abaixo do estrado dos meus pés».
Não estareis a estabelecer distinções entre vós e a tornar-vos juízes com maus critérios?
Escutai, meus caríssimos irmãos: Não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que Ele prometeu àqueles que O amam?».
2. Quem procura viver à cristão coerentemente não faz aceção de pessoas. Não privilegia uns ignorando ou humilhando outros. O pai-nosso que frequentes vezes rezamos lembra-nos a existência de um Pai comum. O relacionamento entre nós deve ser de verdadeira fraternidade.
Porque criaturas de Deus e seus filhos pelo Batismo, somos todos possuidores de uma mesma dignidade. Somos iguais em dignidade e no que respeita aos direitos fundamentais.
Sendo iguais, também somos diferentes. Cada um tem o seu feitio e a sua maneira de ser.
Temos o dever de respeitar as legítimas diferenças que há entre nós.
Mas o direito que tenho de que respeitem as minhas legítimas diferenças não me confere o direito de lhes impor as minhas manias e os meus caprichos.
«Na Liturgia, à exceção da distinção que deriva da função litúrgica e da sagrada Ordem e das honras devidas às autoridades civis segundo as leis litúrgicas, não deve fazer-se qualquer aceção de pessoas ou classes sociais, quer nas cerimónias, quer nas solenidades externas». (Sacrossantum Concilium, 32).
3. É vulgar dizer-se nos meios eclesiais que a Igreja fez a opção preferencial pelos pobres.
Mas a Igreja – importa salientá-lo – não é dos pobres nem dos ricos: é de todos. Ricos e pobres são filhos de Deus e membros da Igreja.
A prática da caridade, porém, exige uma atenção especial para com os pobres. Estes não são apenas os carecidos de bens materiais. São também, entre outros, os mais fragilizados; os indefesos; os ofendidos na sua dignidade ou nos seus direitos; os injustamente privados de liberdade; os que não têm poder reivindicativo. A estes a Comunicação Social só muito raras vezes entrevista, sendo necessário dar-lhes vez e voz.
«Deus, diz Santiago no texto citado, escolheu os pobres aos olhos do mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que Ele prometeu àqueles que O amam».
4. No relacionamento entre os homens há a lógica do mundo e a lógica do Evangelho.
A primeira leva a estar a favor dos ricos, dos sábios, dos poderosos, dos influentes. É a lógica dos interesses.
A segunda consiste em não marginalizar ninguém e em servir a todos, privilegiando os mais fragilizados. É a lógica do amor gratuito.
Na lógica do mundo as pessoas valem pelo que têm. Na lógica do Evangelho, valem pelo que são.
Infelizmente acontece de, às vezes, se medir a grandeza dos homens pela sua conta bancária ou pelo poder e influências que têm. É sobretudo a esses, ainda hoje, que se corteja; que se dão títulos, honras, lugares especiais.
Há quem se ponha de cócoras diante de homens do poder – económico ou outro – cumulando-os de atenções que recusam ao comum dos irmãos. E homens da Igreja, nem sempre estamos isentos deste pecado, sendo escandalosamente incoerentes.
Já foi mais, é verdade. Até havia nas igrejas uma espécie de lugares cativos. Mas ainda hoje acontece de haver pessoas que são objeto de um tratamento privilegiado, ficando-se com a ideia de que uns são mais filhos de Deus do que outros.
Dizemos, insisto, que as pessoas valem pelo que são e não pelo que têm, mas a prática nem sempre o confirma.
Autor: Silva Araújo
O ser e o ter
DM
13 setembro 2018