A propósito do Dia Mundial do Dador de Sangue, assinalado a 14 de junho, importa enaltecer o papel daqueles que transformam a vida do próximo através de um simples ato repleto de amor, solidariedade e civismo. Mais do que como profissional de saúde nesta área, tanto me ocorre dizer…
Numa contemporaneidade da realidade virtual, que pouco mais vem a ser do que a desvirtuação da humanidade, importa pensar no sentido inverso e realçar que acima de cada nação está em causa o destino do homem e do próprio mundo.
O sangue, concomitantemente, foi tendo a conotação de «tânato», de agressividade do homem contra o próximo e contra si mesmo e, em última instância, o condicionar da própria vida.
A sociedade civil está cansada de reflexões que já sabem a esterilidade porque tudo abordam e quase nada mudam. Quando só a coragem e ação, quando não mesmo com sofrimento, é que transformam o homem e o mundo, se tudo persiste numa modernidade desviada.Importa exaltar o ser social esquecido, porque tudo nos foi ensinado, como que num regresso às origens, talvez a chave de tudo.
Não encontro melhor paradigma que o dador de sangue, esse modo de ser altruísta que tudo desmonta e revoluciona. O braço estendido e veia puncionada, desde sempre, traduzem amor pela vida e pela paz, incondicionalmente doado.
Nesta causa do sangue, ninguém perde, todos vencem, até o silêncio. Sobrepõe-se a ética e a sensibilidade. Enquanto os "doutores da lei" de todo o mundo tudo apontam com perfeição e tudo arrogam, o dador de sangue nada pede em troca e tudo dá mesmo quando já a chama da vida é ténue. Mais ainda, enquanto os "políticos" de todo o mundo convergem ao sabor dos ventos e personalidades, o dador de sangue nem precisa de conhecer quem vai salvar, apenas saber que o seu nobre gesto foi útil, além do próprio anonimato, numa responsabilidade permanente. A diferença está sempre no amor em qualquer atitude ou no entusiasmo.
Os dadores de sangue no Banco de Sangue do Hospital de Braga são, curiosamente, espelho de uma população residente ou com origens um pouco por todo o mundo, com prevalência de idades entre os vinte e cinco e os quarenta e quatro anos. Uma considerável parte demonstra sensibilidade para este gesto altruísta desde tenra idade, ao desabafar que só estavam à espera de completar dezoito anos de idade. Admiravelmente, a componente pedagógica e sensibilização para a dádiva de sangue está bastante estruturada nestes dadores, o que me faz acreditar ainda mais no futuro!
É já hoje, com muito orgulho, por tudo, que faço parte desta família. Pela vida, pela paz, pelo mundo, pelo Homem de consciência tranquila.
Em nome da equipa de profissionais do Banco de Sangue do Hospital de Braga, uma instituição exemplar nesta encruzilhada de salvar vidas, pelos dadores de sangue de todo o mundo, e aos destinatários da nossa missão, uma pertinente divisa: «Mens sana in corpore sano» (mente sã em corpo são).
Reforçadamente a quem se destina o sangue, afinal a essência da nossa dedicação, lembro Miguel Torga, essa referência de portugalidade, «a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma nem mesmo no desespero inteiro dum homem».
Autor: Jorge Pimenta