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O ritmo circadiano e os horários escolares dos adolescentes

1. O ritmo circadiano e a sua expressão através do chamado relógio biológico é tão central que as suas implicações abrangem as mais variadas áreas da nossa vida. Uma delas é a dos horários escolares dos adolescentes (por adolescentes, adoptamos aqui a classificação de adolescência de Steinberg, que a divide em três fases: adolescência inicial: dos 11/14; adolescência média: dos 15/17; e adolescência final: dos 18/21 anos).

Apesar do 1.º período escolar já ir adiantado, mesmo assim vale a pena voltar a falar do velho conflito entre os horários escolares e o ritmo do relógio biológico dos adolescentes, conflito esse que se traduz não só em menor aproveitamento escolar como também em eventual aborrecimento e desinteresse pela escola. Na prática, o que a escola diz aos alunos é que são eles que têm de se adaptar a ela e não ela a eles.

Ora, a escola tem de se reger pelo interesse dos alunos, porque é para isso que existe. Tem de fazer um esforço de adaptação à realidade biológica dos adolescentes e não simplesmente continuar a convidá-los a levantarem-se cedo, refugiando-se no ditado popular “deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer”. Esse ditado secular traduz a sabedoria da nossa consciência da necessidade de adaptação ao percurso da luz solar durante as 24H do dia (que se distribuem em 16H para acção e em 8H para dormir, no período nocturno). Isso traduz apenas a realidade genérica da maioria, mas não a situação transitória dos adolescentes, que passam por uma fase de atraso do relógio biológico, que é uma questão natural e não cultural.

2. Como se sabe, a alternância entre a luz solar e a escuridão é percebida pela epífise, uma pequena glândula, do tamanho de uma noz, localizada no centro do cérebro e ligada aos olhos através de feixes nervosos, a qual tem um papel determinante na regulação dos ritmos circadianos (muito valorizada na cultura indiana, onde é conhecida como o 3.º olho ou o olho mágico da intuição, ela capta o magnetismo da natureza). É maior na infância (será por isso que as crianças têm percepções à distância que os adultos já não têm?) e começa a diminuir a partir da adolescência.

Em função da presença ou ausência de luz, a epífise aumenta ou diminui a segregação de melatonina, a hormona que predispõe para o sono. Assim, cerca de duas horas depois do pôr-do-sol, o nível da melatonina começa a subir, indicando ao nosso corpo que se deve preparar para dormir; e, então, todo o corpo vai reagir em função desse alerta, a menos que condições culturais de iluminação artificial o contrariem (e aí começa o conflito entre a cultura e a natureza).

Durante a noite, essas alterações orgânicas vão-se ajustando aos níveis de melatonina, que tem um primeiro pico cerca das 22H (daí que se diga que uma hora de sono antes da meia-noite vale por duas) e o pico mais elevado entre as 3H e as 4H da manhã, as horas de sono mais profundo. Mais ou menos a partir das 4H, a epífise capta os sinais dos primeiros alvores da madrugada que começa a despontar (a hora do cantar dos galos, que sentem essa aproximação) e então o nível de melatonina começa a baixar, até atingir o seu mínimo cerca de 1H antes do sol nascer. Nessa altura, começa o cortisol a aumentar e o organismo apercebe-se que se deve preparar para retomar a actividade física e mental.

3. Mas, nem todos são cotovias madrugadoras que se levantam cedo e cedo deitam; há também os mochos noctívagos que têm necessidade biológica de dormir até mais tarde. Há os que se sentem bem em deitar cedo e cedo erguer e os que se sentem bem em deitar mais tarde e mais tarde levantar. E, para além desses, há ainda os que passam pela fase transitória da adolescência e que, por via dos ritmos do sono próprios do crescimento da sua idade, tendem a adormecer mais tarde e a acordar também mais tarde: há, um atraso de fase que faz com que entrem mais tarde no sono e, consequentemente, acordem também mais tarde.

Isto não tem nada a ver com preguiça, mas com ritmos biológicos. Para além disso, a nossa cultura tem hábitos que potenciam esta tendência, como os estímulos da iluminação nocturna, os jogos electrónicos, os tablets, ver televisão até tarde e, claro está, o gosto das saídas à noite, as discotecas pela noite fora…

É neste contexto que surgem os conflitos com os horários escolares desfasados. Paul Kelley, do Instituto de Neurociência Circadiana e do Sono, da Universidade de Oxford, tem defendido publicamente a necessidade de se reverem os horários escolares dos adolescentes (ainda há pouco, a Prof.ª Teresa Paiva reforçava a mesma ideia).

As aulas começam demasiado cedo para eles. Ainda vão ensonados para a escola e, às vezes, mal alimentados porque ainda não apetece comer. Assim, nas aulas não conseguem ter a atenção e a concentração necessárias para uma boa aprendizagem. É que o despertar biológico dos adolescentes só começa a partir das 8H. Por isso, só estarão em condições de facilitar o começo do trabalho depois das 9H/9H30.

(Nota: o autor não escreve de acordo com o chamado Acordo Ortográfico)


Autor: M. Ribeiro Fernandes
DM

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26 novembro 2017