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O regresso

Não se trata da reentrada dos partidos políticos após as férias. Trata-se da reentrada das pessoas no seu dia-a-dia. Trazem das férias um ritmo diferente, feito, como seria normal, sem obrigatoriedades ou exigências horárias, antes um fazer doce, embrulhado nos apetites de cada um. É esta, aliás, o supino da liberdade; o trabalho é um castigo e uma violência humana. Mas sem trabalho não há pão para a boca, verificamos todos nós sem esforço; mas não deixa de ser o pão “amassado com o suor do rosto”. Isto não pertence apenas ao homem mas também aos outros animais: caçam os leões ou os tigres, o milhafre ou a águia, o melro ou o pisco. Esta obrigação de ganhar o pão para a boca é uma necessidade de sobrevivência diária. Precisamos todos de voltar ao trabalho; custa assumi-lo. Mas como em tudo há o anverso da medalha: é o relato que faremos aos colegas do escritório. “Veneza, Paris, Roma ou Praga, (e sai um ai de boca grande) não calculam como tudo aquilo era bonito”!! Se as férias são em remotas paragens , então afirma-se um estatuto social que se impõe com penas de pavão. Ir a Varadero, a Cancun, ou ao Haiti, não é mesma coisa que ir ao Minho, à Madeira ou aos Açores, ou mesmo ao Algarve; isso são férias para pobres. Ir ao Gerês, subir as Penhas Douradas e observar os vales deitados a seus pés, ou reduzir-se à sua pequenez ao medir-se com os píncaros que lá de cima desafiam equilíbrios, é verdade, são coisas bonitas, talvez iguais aos cenários suíços, mas não carimbam a empáfia na assembleia do escritório. O garnisé empina a crista e canta de galo. O trabalho dilui e reduz esta importância logo que o serviço imponha o desempenho. O bronzeado escondido nas roupas, é testemunha silenciada. Os demais, na praia próxima, estacionam o automóvel longe, levam a lancheira na mão direita, o guarda-sol às costas, o para-ventos e as cadeiras na outra mão; as almofadas, as toalhas, as boias, vão debaixo dos braços dos mais novos que mal os abraçam; é isto um trabalho à chegada e o mesmo à partida; um cansaço de férias; mas nós convencemos a nossa mente que é um meio de descansar; a passadeira é enorme e a distância ao mar também não é pequena. Se esta trabalheira fosse no escritório era um trabalho de escravo; tinha de ser regulamentada por leis laborais, discutidas na assembleia da república, promulgadas pelo presidente da república e contestadas pelos sindicatos; e há ainda trabalho infantil no desempenho dos filhos; é de o considerar. Mas “se bem me lembro” nunca ninguém cansou desta canseira! Para descansar vem depois o trabalho. As trouxas da praia esgotam os mais afoitos, mas não é este o trabalho que cansa, o que cansa é o trabalho do emprego. A reentrada no trabalho – digam rentrée para se darem ares de eruditos – não é uma festa para os veraneantes como o é para os partidos; é antes um ai de suspiros saudosos, quiçá dolorosos, que ecoam lá dentro com uma lamúria abafada. Para que foi que Adão comeu o fruto proibido? Sonhos de Éden imaculado. Outros suspiros, mas toca a despachar que o patrão está de olho. Quem disse que o trabalho dignifica o homem? Afinal, o que dignifica o homem não é o trabalho, o que o torna livre, feliz e digno é cansar-se nos dias de descanso. “Mas para as próximas férias, está combinado, vamos a um dos países dos Himalaias”. Portugal está visto, mesmo nunca o tenha visto.
Autor: Paulo Fafe
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6 setembro 2021