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O realmente importante na maneira como se comunga

Surgiu alguma polémica sobre a comunhão na mão, a mais recomendada neste momento insofismável de crise epidémica da Covid 19. No precioso livro «A Beleza da Liturgia», do Secretariado Nacional de Liturgia, páginas 117 a 147, podem encontrar-se as mais adequadas e fundamentadas respostas às várias questões que se podem levantar sobre a pertinência ou não de privilegiar uma determinada maneira de receber a sagrada comunhão. Comunga-se sempre com a boca e sobretudo com o coração. A deposição da hóstia consagrada é que pode ser feita na boca ou na mão. Nos primeiros 9 séculos, o pão consagrado era recebido na mão e depois levado à boca. O Pontifical Romano-Germânico de 950 confirma a inovação, feita um século antes no concílio de Rouen (878) : «A nenhum leigo, homem ou mulher, se deponha a Eucaristia na mão, mas somente na boca». Tal modificação é explicada, não por razões teológicas – que as não há – mas pela substituição do pão comum pelo pão ázimo e pelo aparecimento das hóstias pequenas. E por um debilitamento do sentido profundo do gesto da fracção do pão, nome que também se dava à Eucaristia (Act 2, 42). A partir de 1969, após a feliz Reforma da Liturgia no Vaticano II, a Congregação do Culto Divino concedeu às Conferências Episcopais a faculdade de permitirem a comunhão na mão, ficando o fiel com liberdade de optar por esta forma de recepção da hóstia consagrada ou pela deposição directa na boca do fiel. O importante a sublinhar é que tanto a comunhão na mão, como recebida na boca, deve manifestar o respeito para com a presença real de Cristo na Eucaristia. Presença real, sim, mas sacramental e simbólica de Cristo Vivo e Ressuscitado. No final do século IV, os neófitos eram incentivados a «estender as duas mãos, fazendo da mão esquerda um trono para a direita, dado que esta deve receber o Rei». E o Ámen com que o fiel responde deve ser a afirmação da fé, clarifica Santo Ambrósio. O fiel que recebeu a eucaristia na mão levá-la-á à boca antes de partir para o seu lugar, 'afastando-se somente para deixar aproximar-se aquele que o segue e permanecendo voltado para o altar'. É da Igreja que o fiel recebe a Eucaristia, que é comunhão no Corpo de Cristo e na Igreja. Por isso, não deve tirá-la ele próprio da patena ou do cesto, como faria se fosse apenas pão comum ou mesmo pão bento, mas estenderá as mãos para o receber do ministro da Comunhão'. (p. 125) Antes de tudo isto, é preciso fazer uma boa catequese do rito da comunhão e insistir nos sentimentos de adoração e na atitude de respeito que ela exige. Deve recomendar-se aos fiéis que procurem não deixar cair fragmentos do pão consagrado. É ainda a Congregação do Culto Divino quem, em 3/04/1985, diz que, hoje, dado as hóstias serem pequenas e não um pedaço grande daquele pão que os fiéis tinham trazido de suas casas, igual ao que eles próprios comiam às refeições, e, que, depois de consagrado, na altura da Comunhão, se punha directamente na mão direita do fiel, com a qual ele o levava à boca e o comia pouco a pouco, se deve elucidar os fiéis que, – para os que são dextros (dizemos nós)--, devem colocar a mão esquerda sobre a direita, para que seja esta a retirar da outra mão o pão recebido e o levar à boca. (p. 127) Os que utilizam mais a mão esquerda poderão colocar a direita por cima. É a consequência lógica, creio eu, do respeito pela singularidade e especificidade de cada pessoa. Se há grande número de fiéis sem sequer a celebração de eucaristia, por causa do perigo de contágio, parece do mais elementar bom senso e sentido de responsabilidade cívica e cristã, acatar com docilidade agradecida as normas legítimas da Conferência Episcopal que, seguindo as indicações dos organismos civis competentes na matéria, fazem aos fiéis este pedido. Para quem faz ouvidos moucos e desobedece, comentando como o faziam umas 'piedosas' senhoras numa das paróquias dos subúrbios de Braga: «estou-me nas tintas se com a comunhão na boca posso vir a infectar outras pessoas», é da mais elementar sapiência cristã a resposta de uma outra senhora que a escutava: « se assim pensas e queres fazer, não estás em condições de te abeirar da sagrada comunhão». Os gostos pessoais não podem sobrepor-se ao que as legítimas autoridades nos pedem para que, fazendo-o, contribuamos para o bem de todos e evitemos ao máximo a propagação desta terrível epidemia. Não confundamos o essencial com o acessório. Muito menos imponhamos o nosso gosto pessoal, contra o solicitado pela competente autoridade eclesiástica.
Autor: Carlos Nuno Vaz
DM

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14 março 2020