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O que faço versus o que gostaria de fazer

A eterna dualidade. O sentimento de que não nos encontramos, na maioria dos casos, a fazer o que gostamos de realizar habitualmente. Torna-se necessário optar. Na semana passada foi dia dos avós, dia de Santa Ana e de São Joaquim, pais de Maria, mãe de Jesus, padroeiros dos avós. Estava com a minha neta de férias escolares há já algumas semanas. Muito viva e ativa, toda a atenção que lhe dedico é pouca.

Logo, tive de deixar de parte algumas atividades do dia-a-dia que gosto de concretizar, entre elas a Escrita, as longas caminhadas… Mas tudo tem o reverso da medalha. UsufruÍ da sua companhia: visitei museus, vi filmes infantis, li histórias, isto é, vi o mundo sob uma perspetiva diferente. Acompanhou-me à missa.

Colocou-me tantas questões que fiquei admirada com o seu poder de observação. Interiorizava cada momento que vivenciava. Ainda assim, ontem já me sentia esgotada, confesso. Sentia imensa falta da escrita. Mas também uma alegria imensa por ter usufruído da sua doce e às vezes “birrenta” companhia. Reconheço que se torna muito difícil educar, ser firme, mas é necessário. Quantas vezes tive necessidade de me impor, com o coração apertado. Era para o seu bem.

Quem será mesmo que disse que os avós não têm de educar? Na realidade eu já o disse, mas é quando vem de visita… Apesar de tudo, quando partiu com o pai, fiquei com a sensação de ninho vazio. Mas também, algum descanso para poder retomar as minhas atividades normais. Ainda não consegui, de modo algum, o almejado equilíbrio, talvez devido a alguma falta temporária de energia, que seja suficiente para ser avó e realizar as tarefas habituais. Mas tudo tem o seu tempo.

Agora tornava-se prioritário usufruir em pleno da sua presença. Como tinha crescido! Achei imensa graça, quando foi reclamar junto do pai: “a vovó dá-me uma pasta dentífrica dos 2 aos 6 anos e eu já tenho 8”. E era mesmo verdade. Tinha pedido na farmácia uma pasta infantil com sabor a morango. Contudo, não reparei na idade. Sempre atenta. Como cresceu. Ainda há pouco tempo era uma bebé! Numa das suas “chamadas de atenção”, recuei muitos anos atrás, recordando ter vivenciado uma situação semelhante com um dos meus filhos. Os anos passaram e a situação vivenciada com o meu filho repete-se agora com a minha neta, a genética a funcionar, noutra geração.

Hoje de manhã referiu: “É o dia dos avós. Quero ir almoçar contigo”. Mas seria jantar, com presença do pai num restaurante escolhido por ela, “fast-food”, porque oferecia um colchão de praia. Bem, não teve importância. O melhor mesmo era a sua companhia neste dia especial. Comentei com o meu filho, que o hambúrguer que ele tinha escolhido, era o que eu costumava pedir em Nova Iorque, há muitos anos atrás. Ainda o provei e reconheci o mesmo sabor.

No entanto, agora tinha mais cuidado com a alimentação. E partiu feliz, não sem antes insistir com o pai que queria ficar comigo porque era ainda dia dos avós. E senti a mesma dualidade. Queria ficar comigo, mas também ir para casa ver um filme na companhia do pai. Acabei por a incentivar para que fosse com o pai.

Já tinha sido muito bom. Recordei o que o Papa Francisco tinha referido relativamente à festa de Santa Ana e de São Joaquim, enfatizando a importância dos avós na transmissão da fé e da humanidade, o precioso papel dos avós na família e na sociedade. Quão importantes são eles na vida de família para comunicar o património de humanidade e de fé, que é essencial para qualquer sociedade. Na verdade, as crianças absorvem os valores que a família lhes transmite.

Bem, já sem a companhia da minha neta resolvi ir ao cinema. Havia um filme que queria muito ver Pavarotti.Graças a Deus ainda se encontrava em exibição. Marcaram-me as palavras “a dureza do mundo não nos impeça de darmos o melhor que temos”. Depois a voz deste tenor lírico, sobejamente conhecido, é simplesmente sublime. Foi excelente ouvir inúmeros excertos de operas, agora contextualizados, conhecer pormenores da sua vida pessoal que desconhecia, o seu interesse e apoio a crianças em sofrimento por diferentes motivos.

Uma vida cheia, de alguém que, com origens modestas, lutou e fez render os seus talentos, tornando-se um dos maiores tenores mundiais, que muito ajudou a difundir a ópera. Vieram-me as lágrimas aos olhos quando ouvi magistralmente cantada a ária “Riti Pagliaccio”: “Ria Palhaço…” transforma em risos os espasmos e o choro… Ria Palhaço no seu amor aos pedaços, ria da dor que lhe envenena o coração”. Foi indescritível assistir à primeira atuação de “Os 3 Tenores”, (Pavarotti, Plácido Domingo e José Carreras), nas Termas de Caracala em Roma. NessumDorma, da ópera Turandot, entre muitas outras árias de óperas cantadas em diferentes palcos, os melhores a nível mundial, tais como no Metropolitanem Nova Iorque, no Staats Operem Viena… tantos locais que se torna impossível enunciar.

O seu sofrimento e pobreza na infância, durante a guerra, fizeram-me recordar que “a pobreza e a guerra não se encontram escritas nas estrelas, não são fruto de um qualquer desígnio de Deus, mas sim do homem”. Mais rica culturalmente, feliz, deixei a sala de cinema ainda debaixo do efeito de tudo o que me tinha sido dado a observar e ainda com o som da música da voz magnífica deste tenor. Liguei o telemóvel. A minha neta trouxe-me à realidade com um telefonema viaWhatsappa questionar se tinha gostado do filme, dando ênfase de que tinha sido muito longo. Sentia saudades da vovó. E eu dela!

E assim nesta dualidade entre “O Que Faço versusO Que Gostaria de Fazer”, que dá o título a este artigo, terminou a minha tarde “sob um manto de estrelas…” ao som da música “Chitarra Romana”, cantada por Pavarotti, “que me acompanha em silêncio”. Na realidade a ópera, enquanto expressão de arte e de cultura é uma maravilha, faz mesmo milagres. Termino este artigo no dia em que se celebra a festa de Nossa Senhora da Paz, a quem recorremos, no sentido de rogar pela Paz que o Mundo procura sem encontrar. Que o Seu auxílio maternal nos faça valentes, pacientes e eficazes, no sentido de nos comprometermos a trabalhar pela justiça, fundamento da paz de que carecemos.


Autor: Maria Helena Paes
DM

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23 agosto 2019