Há ocasiões em que o nosso mundo mediático, não apenas das superficiais redes sociais, mas da comunicação social, parece inundado de palermices que denota bem o estado da nossa mentalidade coletiva.
Vem isto a propósito da palermice pegada da possível candidatura de uma pessoa a Presidente da República devido ao único destaque que teve, bastante meritório aliás, ao ter comandado com sucesso o primeiro plano em massa de vacinação contra a COVID-19 em Portugal.
De facto, o primeiro militar a coordenar a chamada “Task Force” – outra parolada portuguesa, a de recorrer a anglicismos quando a nossa língua é rica o suficiente para denominar tudo e mais alguma coisa – fê-lo com bastante sucesso depois das trapalhadas protagonizadas pelo seu antecessor Francisco Ramos que resolveu politizar o processo de vacinação para agradar à geringonça e que nem a vacinação soube gerir no hospital que dirigia.
A opinião pública portuguesa andava tão desesperada pela incompetência absoluta no processo de vacinação, com denúncias de vacinas danificadas, processos que não arrancavam e vacinação de pessoas sem respeitar a ordem das prioridades estabelecidas que também, reconheça-se, o termo de comparação do trabalho do almirante era mesmo muito fraquinho.
No entanto, foi por todos reconhecido o mérito do Vice Almirante na coordenação e direção de todo o processo. Nessa ocasião Gouveia e Melo era parco em palavras, anulava o que estava mal, aparecia com as soluções, incentivava toda a equipa nacional envolvida e, principalmente, resolvia.
Portugal atingiu uma das maiores taxas de vacinação mundiais, mesmo com a segunda dose.
O país reconheceu o seu trabalho e apreciou-o muito por isso. O hiper medalhista Marcelo brindou-o logo com uma medalha no peito.
No entanto, passar daí, e, por causa disso, para candidato a Presidente da República, é um disparate total. Só o facto de essa ideia, ter avançado nalguns círculos, denota também o estado de negação dos políticos de franjas da nossa população.
Aliás, o Vice Almirante Gouveia e Melo, no princípio reconheceu isso mesmo e considerou essa ideia no campo das teorias mais inócuas.
Nunca se conheceu a este militar qualquer ideia política, qualquer atividade conducente ao rumo de Portugal, nenhuma escolha face aos múltiplos desafios da nossa vida coletiva. A sua atividade nesse ponto, é como a de um qualquer militar e ainda bem: inexistente.
Se não fosse o processo de vacinação Gouveia e Melo seria considerado, penso eu, como muitos dos seus colegas: um militar competente e nada mais.
Se os critérios para ser Presidente da República fossem o de reconhecimento público, podemos ter como candidatos ao mais alto cargo da Nação a Cristina Ferreira, o Tony Carreira, o Manuel Goucha, o Marco Paulo e por aí adiante.
Estranhamente, passado algum tempo, eis que o nosso Vice Almirante, embalado com algumas palavras sopradas ao ouvido, parece acolher essa ideia com satisfação e cavalga ao sabor dela.
Deixou de ter noção do seu lugar, cai numa tentação completamente despropositada, com tudo de ridículo que isso acarreta e não esteve à altura do seu anterior desempenho.
O mais grave é que, sabendo que poderia chegar ao cargo mais alto da Armada, como é que prestou as declarações que fez, alimentado a hipótese da sua candidatura a Presidente? Deveria estar recatado, quieto, ficar no seu lugar e não demonstrar que nem tem dimensão estadista, nem percebe nada de política.
Aliás, dizia há pouco que Portugal não conhece ainda Gouveia e Melo. A verdade é que há tempos Gouveia e Melo e um colega militar tiveram de fazer uma retratação e pedido de desculpa públicos a outro colega, oficial das forças armadas, para não serem condenados judicialmente por difamação pelo tribunal da Relação.
Além do mais, há muito que não se assistia a tão grande desgoverno na substituição de um Chefe de Estado Maior, primeiro impedida pelo atual Presidente da República mas aceite inexplicavelmente pouco tempo depois, tendo até o seu Chefe da Casa Militar, o Vice Almirante Sousa Pereira, oposto a essa substituição, quando o substituído afirma que não sai por vontade própria, podendo Gouveia e Melo lhe ter sucedido em meados do próximo ano, já que temos um governo prestes a acabar o seu mandato.
Não é negado que as graves críticas à alteração da Lei de Defesa Nacional e a Lei Orgânica de Organização das Forças Armadas formuladas quer pelos ex Presidentes Cavaco Silva e Ramalho Eanes, quer por 28 ex Chefes de Estado Maior e por Mendes Calado, teve como consequência a saída deste Almirante.
Se Gouveia e Melo estivesse calado, após ter finalizado as suas meritórias funções não teria demonstrado a sua incompetência política. Acontece a muitos!
Autor: Joaquim Barbosa