No artigo anterior, deixámos os pastores, gente simples e humilde, contemplando o Menino recém-nascido, deliciados com aquele espectáculo que um dos Anjos do Céu lhes tinha anunciado. E considerávamos que se este ser celestial, tão superior a nós em inteligência e poder, que contempla Deus constantemente e d’Ele é
encarregado de missões tão elucidativas, tivesse dado semelhante notícia a um importante sacerdote de Israel, este o teria recebido com aspereza e desprezo, considerando-o talvez como um ser diabólico, mentiroso e encapuçado, ao querer convencê-lo de que o Messias prometido, a grande glória do povo israelita, tinha nascido miseravelmente num curral de gado, num estábulo...
E assim aconteceu de facto. A Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Deus que encarna, foi recebido entre os homens como um ser desprezível, que nem sequer pôde encontrar uma casa decente e aconchegada para nascer. Recusado pelo estalajadeiro, provavelmente por familiares de S. José, enfim, por todos nós, homens, preocupados com o nosso dia a dia, não fomos capazes de descobrir naquele casal normal e suplicante, a riqueza que trazia consigo e estava prestes a apresentar a todo o mundo.
Compreendemos o desgosto do seu pai legal, encarregado por outro anjo de lhe dar o nome de Jesus, como competia a todos os progenitores do povo eleito. E também a tristeza de sua Mãe, que aceitou a sugestão do seu marido de forma a não o humilhar mais do que o que ele já se sentia, ao ter de recorrer, como último recurso, a um lugar impróprio de um ser humano nascer, sujo e desajeitado.
O aparecimento de Jesus deve ter alegrado muito os seus pais, e como, depois já referimos, aquele conjunto de pastores, que não deixaram de levar, como nos relata Gil Vicente no seu Auto de Natal, alguns presentes modestos e generosos. Apesar das circunstâncias adversas e da recusa de tanta gente, insensível e pouco generosa, o desenlace decorreu da melhor forma possível e aí estava, deitado numa manjedoira, Aquele que trazia como missão redimir todo o homem, dando-lhe de novo a possibilidade de entrar no reino dos Céus, fim para que Deus o tinha criado, concedendo novamente a Sua graça e a filiação divina.
Às vezes, esquecemo-nos do fim da Redenção de Cristo, talvez porque a sua humanidade é tão real, que não temos presente as incumbências que seu Pai Lhe deu. De facto, aquele Menino deitado na manjedoira, como ser humano que é, está sujeito a todas as vicissitudes da nossa vida. No presépio, recém-nascido, sujeita-Se, como criança inerme, a depender totalmente de seus pais – principalmente de sua Mãe, que Lhe dá o alimento – para poder subsistir. É, como todos nós, um ser integralmente dependente do bom cuidado de quem O trouxe ao mundo. Precisa de comer, de aprender a falar, a rezar, a relacionar-se com os outros, a trabalhar como um profissional, etc. Mas, não esqueçamos, é Deus, criador do próprio ser humano, que agora também assume a nossa natureza com todas as consequências. Até a de ser mal recebido ao nascer e de ser despedido com uma Cruz infame.
Um Natal sem Cristo é triste e falso. Infelizmente, é o que vemos em tantos cartões de Boas Festas, que transformam este acontecimento litúrgico numa espécie de solenidade onde se dão prendas, onde se reúnem os membros da família e onde se esquece o grande festejado desta data, que é Jesus. Uma poesia que encontrei dá conta, infelizmente, desta atitude pagã dos nossos dias. Com ela termino estas linhas e a todos os meus leitores desejo um bom e santo Natal.
Um cartão, porém, reduz
o Natal a um ténue rio,
com neve, trenós e... frio!
Mas não vemos lá Jesus...
Fico triste, pois olhando
a paisagem que ele tem,
não se vê, sequer, Belém,
nem os Magos caminhando...
Que Natal será possível
sem Jesus representado?
Não é Ele o festejado
nesta data inesquecível?
O Natal desses cartões,
faz-me, com dor, entender
quanto gelo deve haver
em tão frios corações...
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva
O presépio de Belém II
DM
22 dezembro 2019