Todos nós reconhecemos a importância dos Meios de Comunicação Social e do seu papel na sociedade. A essência da comunicação radica na onticidade da natureza humana. Como ser racional e livre, o homem tem direito a ser informado devidamente acerca do que se passa na sociedade e no mundo. O direito de informar e de ser informado são dois pilares fundamentais de uma verdadeira democracia pluralista e tolerante. Um poder democrático não sobrevive sem liberdade de imprensa e de expressão. Assim como não há democracia sem uma imprensa livre, também não pode haver uma imprensa livre sem uma democracia plural. Mas daqui até à liberdade desregrada e ilimitada vai uma grande distância. Nem jornalismo amordaçado nem devassa no jornalismo. A censura de imprensa durante a ditadura do Estado Novo custou-nos muito caro. Mas, nos tempos que se seguiram, também não foi muito bem acautelado um exercício equilibrado da liberdade de expressão. Alguns meios de comunicação social não resistiram à tentação de absorver certos resquícios ditatoriais sob diversos ângulos políticos. Felizmente, a evolução da nossa democracia, com os seus altos e baixos, foi segurando um equilíbrio racional e respeitador da dignidade humana. Nos últimos anos, muito se tem falado de uma auto-regulação dos Meios de Comunicação Social. Mas lá aparecem os eternos velhos (e novos) do Restelo com a tentação de tudo desregular, defendendo que não pode haver qualquer limite na liberdade de informação e de expressão.
A auto-regulação não se pode endeusar nem vulgarizar. Ela é um direito e um dever inerentes à liberdade de expressão. É indubitável que existem princípios básicos que, por serem fundamentais para uma sã convivência, nunca podem ser esquecidos nem violados, tais como, o direito ao bom nome ou fama, a dignidade pessoal e o respeito pela vida privada, entre muitos outros. Tais princípios cívicos e morais são o fundamento da ética e da deontologia de qualquer profissão e, por conseguinte, também da Comunicação Social. No entanto, há certas atividades e profissões (políticos e outros dirigentes ou responsáveis públicos) que, devido à especificidade das funções que desempenham, têm muito diminuídos os referidos direitos, podendo e devendo ser escrutinados com certa frequência. É neste âmbito que tem lugar o jornalismo de investigação que é necessário, indispensável e justo, quando os serviços e as entidades vocacionadas para o efeito não atuam, quer por falta de meios ou de pessoal, quer por comodismo, incúria, incompetência ou compadrio. Se não existisse este tipo de jornalismo, nunca se conheceriam muitos (e grandes) focos de corrupção, de burla, de peculato, de falsificação de documentos, de administração danosa ou de esbanjamento do erário público, bem como de abusos de gestão em instituições públicas ou privadas (e que não são assim tão “raríssimas”), de homicídios, de roubos, de violência e de muitos outros casos de desonestidades altamente escandalosos. Muitos deles continuavam a cair no esquecimento. Bendito seja o jornalismo de investigação!
Quando as pessoas de qualquer profissão não são honestas e vão passando por entre os pingas da chuva, alguém tem que ter a coragem de as escrutinar, mesmo que isso lhe custe vários tipos de perseguição. Mas não podemos cair na tentação de endeusar o jornalismo, pois ele mesmo também é sujeito de escrutínio como qualquer outra atividade. De facto, ainda há um pequeno setor da imprensa que, sob a capa do direito de informar ou de livre expressão, se julga o detentor exclusivo da verdade e imune à crítica. Não se pode sair de um jornalismo amordaçado para se cair num jornalismo justiceiro com resquícios de sectarismo, de índole persecutória ou de devassa. Haja bom senso.
Autor: Artur Gonçalves Fernandes
O poder dos Meios de Comunicação Social/direitos e deveres humanos
DM
14 dezembro 2017