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O poder de intimidação das redes sociais

Não penso que se possa falar livremente na Internet”. A afirmação da filósofa francesa Elisabeth Badinter ofereceu um bom título à página dois da mais recente edição do suplemento Le Monde des Livres – um suplemento de um jornal diário apenas dedicado aos livros é uma extravagância assinalável num tempo em que é o lifestyle que pontifica na imprensa. Entrevistada a propósito de um livro que acaba de publicar, coligindo três ensaios sobre a efervescência do século XVIII e do Iluminismo, Elisabeth Badinter manifesta-se apreensiva com a desmedida violência das redes sociais. “Toda a gente tem medo delas”, diz a filósofa, considerando que é a elas que os intelectuais hoje obedecem. Num dos ensaios, escrevera que “os intelectuais mudaram de soberano, mas não de escravatura”. Deixaram de obedecer aos reis para obedecer à opinião. Torna-se por isso compreensível que a filósofa não frequente as redes sociais, o que, garante ela, lhe proporciona a tranquilidade que deseja, algo que, imediatamente, comprovará qualquer um que também por lá não ande. “As redes sociais duplicaram o poder de uma opinião pública que é livre para dizer o que lhe apetece, mas que muitas vezes é pouco subtil, desinformada e de uma violência incrível”. Antes de Elisabeth Badinter, já muitos outros pensadores se tinham pronunciado sobre as perversões trazidas pelas redes sociais. Umberto Eco, para recordar um exemplo abundantemente citado, disse que elas vieram dar voz “a uma legião de imbecis” que julgam que podem falar sobre os assuntos com a mesma autoridade que um Prémio Nobel. Além da vastíssima ignorância que se encontra nas redes sociais, há nelas uma espécie de sobreaquecimento emocional que se traduz na emissão em catadupa de juízos morais condenatórios de tudo e de todos, a propósito e a despropósito, relativos mesmo, tantas vezes, a situações cuja veracidade não chega a ser devidamente atestada ou que são obviamente falsas. “Nunca a imprensa ou os media em geral tiveram um tal poder de intimidação”, constata Elisabeth Badinter. A filósofa refere os casos do #metoo e do #balancetonporc (movimentos de denúncia de situações de assédio sexual, incluindo-se, por vezes, no âmbito do assédio o que estaria na órbita da sedução, aliás, em certos casos, fantasiada) dizendo ter ficado impressionada com o silêncio das feministas históricas, em certos casos fundadoras da Movimento de Libertação das Mulheres (no início dos anos 70 do século XX), que não concordaram com a maneira como a palavra se libertava, interditando qualquer subtileza, qualquer objecção, mas que, por receio, se calaram. Elisabeth Badinter recorda que quem não se conteve, como a actriz Catherine Deneuve, uma das mulheres que se manifestou contra a onda do #metoo e do #balancetonporc, subscrevendo um abaixo-assinado publicado no diário Le Monde, se tornou alvo da indignação global. A opinião pública do século XVIII, a doxa, respeitava os sábios, mesmo sendo limitada, afirma Elisabeth Badinter. Para a filósofa, a doxa já era uma ameaça indirecta para o pensamento, para a crítica, mas o certo é que ela nada foi quando confrontada com o que está a acontecer hoje, num momento em que prevalece o temor de “ser esmagado sob os insultos de milhões de pessoas”. Encontra-se aí o poder das redes sociais, que Elisabeth Badinter “sente, paradoxalmente, como uma censura”. A volúvel opinião pública do século XX, brutalmente amplificada pelas redes sociais, apresenta-se hoje como um pelourinho onde, em qualquer instante, se podem pendurar os que forem julgados incapazes de corresponder aos momentâneos humores da turba.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
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2 dezembro 2018