Toda a gente fala da esperança porque ela faz parte da nossa condição humana; mas, se lhe perguntarem o que é a esperança, não sabe defini-la, porque ela é um sentimento de meta-relação que existe para além do observável. O conceito de esperança é muito lato: vai do sentimento de um desejo quotidiano ou da sua satisfação até ao desejo de felicidade que ultrapassa o limiar do tempo, tal como nós o conhecemos. Assim, como diz Jean Maisonneuve (Les Sentiments, PUF), a esperança é um sentimento exclusivamente reservado ao homem: “parece absurdo que um animal possa ter consciência de um sentimento como a esperança, porque pressupõe recursos psíquicos que o animal não tem”.
1.A importância existencial da esperança é tão grande que não se pode viver sem ela. A vida sem esperança tornava-se num inferno, como escreveu Dante, no seu poema épico “Divina Comédia”, em legenda sobre a porta do Inferno: “Vós que aqui entrais deixai lá fora toda a esperança…”. O que podemos perceber dessa expectativa existencial de felicidade é através da felicidade que já se pode experienciar hoje. Por isso, se alguém me vier falar da esperança e eu não o perceber como uma pessoa feliz, não posso acreditar nele.
Será a esperança apenas um sentimento que nasce do desejo de encontrar a felicidade? É, mas é mais do que um desejo, pois enquanto o desejo se caracteriza pelo impulso de se realizar e, uma vez realizado, deixa de existir, a esperança permanece sempre além, como uma expectativa do Eu, como uma forma de confiança, uma qualidade de alma que está sempre para além do desejo e é capaz de ir resistindo à infelicidade. A esperança é um sentimento que emerge do fundo da natureza, mas que está para além da natureza: tem, em si, um sinal e um apelo de transcendência. Ela representa um tempo de espera na vida. Por isso, há quem a defina como um recurso espiritual ou quem lhe atribua uma dimensão metafísica.
2.Será apenas uma forma de optimismo? Também é, mas é mais do que isso, porque o optimismo considera sempre as dificuldades a uma distância suficiente para que possam ser resolvidas e implica, da parte do sujeito, uma atitude de convencimento pessoal de que é capaz de as resolver; porém, a esperança tem um horizonte tão largo como o destino, aceita o sofrimento como uma prova transitória, é humilde e nunca está ligada a um sentimento de que é capaz de resolver essa aspiração profunda, mas confia em alguém que está para além de si a sua resolução. Quer isto dizer que a esperança, para além de uma relação de expectativa de objecto (a felicidade), é também uma relação pessoal indissociável da confiança. Por isso é que ela aumenta à medida que aumenta a confiança. Se a esperança é indissociável da confiança, então a sua origem vem da procura da relação do amor. E a latitude da sua origem escapa ao domínio da investigação e passa para o domínio da religiosidade, que não deixa de ser também uma dimensão natural.
3.A esperança é uma espécie de cordão embrionário que nos liga à fonte da vida, que não conseguimos ver nem apreender. Não admira, portanto, que ela seja tão poderosa e capaz de gerar uma energia de confiança e de alegria que tem não só o poder de aliviar o sofrimento de quem desespera pela realização da sua aspiração de felicidade, como também de impulsionar a caminhada em busca dessa felicidade, apesar dos fracassos do percurso e de transmitir ao organismo uma extraordinária capacidade de regeneração no sofrimento. Há curas operadas pela esperança e pela confiança que parecem milagrosas: acreditam que podem ser curados e são curados mesmo. Como? Ainda não sabemos…
4.A esperança precisa do amor para viver e da verdade para caminhar, mas está para além do amor e da razão, porque estes se esgotam na curva do tempo em que o sujeito vive. Talvez seja por isso que ela prospera sobretudo nos caminhos da procura de sentido da vida. Isto chama-nos a atenção de que há caminhos interiores que os outros não podem andar por nós, o que nos interroga sobre o uso de formas agressivas de proselitismo ou recurso a técnicas sugestivas de grupo que podem condicionar a livre opção pessoal, sobretudo dos mais frágeis. Não se pode forçar o ritmo de construção pessoal da esperança, sob pena de o desvirtuar, porque ele precisa da marca do empenhamento pessoal para crescer. É por isso que só o carisma pessoal a pode deixar transparecer. Feliz aquele que tem um amigo que vive ancorado na esperança, porque a sua presença lhe transmite segurança e felicidade.
(Nota: o autor não escreve de acordo com o Acordo Ortográfico)
Autor: M. Ribeiro Fernandes
O poder da esperança

DM
4 novembro 2018