– Respirar, tu? Vá lá, diz-me a verdade! Afinal… o que andas a micar por estes lados? Desconfio que andas é a ver se alguém te deita a mão para fazeres algum biscate de obras públicas.
– Pois é, “picotinho”, tento sobreviver sempre que me usam para escavar, uma vez que tenho estado no desemprego, tantas foram as empresas de construção que, em Braga, se foram…
– Estás muito ternurenta para o meu gosto. Mas insisto “picareta”, diz-me lá porque que te voltaste para estes lados, quando te fazia a andares junto ao Estádio Municipal; pelos lados da Ponte dos Falcões; lá para as bandas do Mercado Municipal ou até pelo velho edificado centenário em decadência? Isto cheira-me a que escondes alguma coisa.
– Olha “velho monte” – disse ela mal-humorada – bem sabes que trabalhos desses foram em tempos que já lá vão.
Em que não havia pedaço de terra que não fosse mexido. Até chamavam ao Edil, de então, a “toupeira”, tantos eram os sítios onde ele metia, salvo seja, o “focinho”. Aí sim, trabalhei, ganhei dinheiro que me fartei e até tive patrões que chegaram de calças rotas aos serviços municipais e retiraram-se com bons fatos, belos carrões e grandes proventos, ao ponto de criarem grandes fortunas.
Mas isso já era. Agora é outra gente que chegou ao edifício camarário, revirou-lhe os bolsos e só encontrou neles cotão e alguns trocos para folguedos.
– Sim, mas continuas sem dizer-me o porquê de estares por cá. Vá, desembucha – replicou ele.
– Se queres que te diga ouvi dizer, para aí, que iam operar-te e introduzir-te um “parque radical” – informou ela.
– Ah! Afinal sempre me queres penicar! Mas olha que não estás com sorte pois, segundo me segredou ali o Sanjoãozinho, a empresa que me vinha operar roeu a corda.
– Que pena! – exclamou a “picareta” – e logo agora que estava a pensar em dar uso a esta minha aguçada perspicácia para cavar e fazer nascer o “Parque Aventura” para a Aktiveworks.
– Vê lá mas é se te calas “picareta” falante! Essa história do radicalismo só me tem causado insónias. Sobretudo quando penso que, em vez de tanta tralha, podia ter comigo a capelinha de S. Cristóvão; as três cruzes do “Gólgota” ou a imagem do Cristo Redentor no meu cocuruto, a abençoar a cidade dos Arcebispos, devidamente iluminados.
– Ah, sim? Então e eu? Ficava sem o meu pão de cada dia? – questionou, muito desolada, a “picareta”.
– Não te rales minha cara que, estes, não me vão satisfazer os desejos. Mas digo-te, preferia ser um “fixe” miradouro sobre a cidade – vigiado pelas forças de segurança – do que ter de me sujeitar a levar tiros nos dorsais; tintas do “paintball” nos olhos; arranhões nas costas pelos saltos, escaladas, enervando-me o “slide” e o “rapel”. Como se não bastasse já, andar a ser mordido nos calcanhares pelas matilhas.
– Mas então não achas giro ficares povoado dessa canzoada e de gente jovem que te anime? – replicou ela.
– Olha que não, “picareta”, olha que não! Mas por que carga d’água me vão ocupar com tantas diversões? Qualquer dia mandam regressar a saudosa “Bracalândia” para ocuparem o monumental “aguadeiro” de S. Victor e as suas belas fontes. É que se alguém se magoar tem o hospital, ali, ao lado.
– Bem “picoto”, vou-me que já se faz tarde. Mas espero vir aqui, brevemente, para fazer o meu trabalhinho. É que este executivo autárquico quer inaugurar tudo antes das eleições, pois está com um défice de obras.
– Vai-te “picareta”. E oxalá que, daqui até lá, te partam o cabo.
Autor: Albino Gonçalves