A visita do Papa Francisco à Lituânia, Letónia e Estónia, de 22 a 24 de Setembro, quase passou despercebida nos meios de comunicação social, interessada apenas nas referências aos casos de pedofilia por membros do clero. Tudo o mais ficou sem referências significativas.
Esta visita acontece 25 anos depois da que fez João Paulo II e para comemorar também os 100 anos de independência destes pequenos países. Se na Lituânia, 80% da população é católica, na Estónia, o país mais ateu da Europa, não chega a 0,5% a percentagem de católicos, ou seja, uns 6.500. Foram países sujeitos aos ditames de Moscovo até à queda do muro de Berlim em 1989.
São comovedoras as histórias dos prisioneiros de guerra. Chamou-me a atenção a história de um homem, hoje com 92 anos, que fez parte de um grupo de 8 entregues ao pelotão de fusilamento, tendo escapado miraculosamente, porque, depois de baleado e arrastado para o montão onde iria acabar de morrer, como aconteceu aos outros sete que, no dia seguinte, apareceram cobertos de neve, ele resistiu, porque ainda estava vivo, e por isso a neve não o cobriu. E os algozes optaram por não o acabar de matar.
Sobreviveu com a bala alojada junto de uma costela, e lá estava à espera do papa Francisco a manifestar a gratidão a Deus que, sem ele saber como, permitiu que lhe salvassem a vida, quando tudo apontava para a morte.
Ou a história do bispo Sigitas Tamkevicius. Jesuíta, hoje com 79 anos, preso e sujeito a 70 interrogatórios duríssimos, para verem se ele dizia os nomes dos que colaboravam num programa de imprensa e rádio que transmitia para o ocidente os horrores que se passavam nesse país durante a ocupação moscovita, corria o ano de 1972.
Na pequena cela que partilhava com um outro preso que a todo o momento o podia denunciar de ter manifestações religiosas, foi encontrando maneira de celebrar quase todos os dias a eucaristia. Pediu à mãe que lhe arranjasse um pouco de pão não fermentado e umas uvas passas. Conforme as circunstâncias, virado de costas para o colega, ia recitando de memória as orações e outras preces da eucaristia, consagrando um pedacinho de pão numa das mãos e as gotas das uvas esmagadas a servirem de vinho.
E depois comungando e dando graças ao Senhor pelo Mistério da Eucaristia. Ou então, deitado na cama e fazendo do próprio peito o altar onde colocava o pão e uma das mãos recolhendo as gotas das uvas esmagadas, pronunciando de memória, não só a fórmula da consagração, mas as outras preces do comum da eucaristia, porque bíblia não lhe permitiam ter para poder consolar-se com os trechos sagrados. E assim alimentava ele a sua fé, sentindo uma força, uma luz e uma alegria como nunca tinha sentido na sua vida
Que belo exemplo e desafio para todos nós sabermos valorizar a eucaristia, segundo ele mesmo confessa! Como o mundo seria diferente se os cristãos valorizassem a eucaristia como ele!
O Papa não deixou de condenar veementemente os nefandos crimes da pedofilia por consagrados e sacerdotes, mas também realçou o heroísmo de tantos que, apesar ou se calhar por causa da perseguição, mantiveram íntegra a sua fé e nos deixaram um legado que é preciso saber agradecer e encarecer.
E alertou os jovens para o sem sentido da vida, se ela for construída a pensar apenas em acumular bens na lógica da economia de mercado, esta economia que mata as pessoas, porque as torna escravas de desejos nunca plenamente satisfeitos. Cada novo desejo devora o anteriormente alcançado. E nunca há paz, mas destruição interior.
Nessa linha, é também de realçar o acordo entre a Santa Sé e o governo chinês para inserir na comunhão da Igreja os bispos ordenados ilegalmente, contra a opinião do Vaticano e mais por imposição do governo chinês, mas que entretanto manifestaram arrependimento e desejo de se unir à Igreja Católica presidida pelo Papa e seus legítimos representantes.
Eram 8, mas um morreu, entretanto. Foram integrados os outros sete. Este acordo já estava a ser preparado desde os tempos de João Paulo II e continuou a ser trabalhado nos anos de Bento XVI. Agora foi possível chegar a um entendimento que fará com que não haja bispos ordenados sem serem nomeados pelo Vaticano.
No regresso a Roma, o Papa falou concretamente deste acordo. E disse que o mesmo foi longamente preparado e estudado com todo o detalhe. E que o assinou em plena consciência.
Um dos primeiros frutos é que dois bispos chineses já poderão participar no Sínodo dos Jovens a decorrer em Roma neste mês de Outubro. Continuemos a rezar pelo Santo Padre.
Autor: Carlos Nuno Vaz
O Papa nos países bálticos

DM
6 outubro 2018