1.Uma coisa me impressiona: o reduzido apreço que às vezes manifestamos pelas pessoas que vivem connosco.
O pão do vizinho é sempre o melhor, afirma um ditado popular. E porque assim se pensa nem sempre se aprecia devidamente o que é nosso, nem sempre se valoriza o que é nosso, nem sempre se promove o que é nosso, nem sempre se dão oportunidades aos nossos.
Há uma festa e é preciso quem a anime? Contrata-se um cançonetista de fora, cujo preço (diz-se cachet) se não discute.
Há um casamento, e pretende-se animar coralmente a Eucaristia? Vai-se buscar um coro a quilómetros de distância, com os inevitáveis custos que isso traz.
Quer-se adornar a igreja para a celebração festiva? Contratam-se os trabalhos de uma florista de fora.
É preciso fazer uma sessão de formação? Vai-se buscar um formador de longe, com todos os gastos que isso acarreta.
Porque não valorizamos o que é nosso, não damos oportunidades aos nossos, não estimulamos os nossos?
2.Há nas paróquias grupos corais (uns melhores que os outros, é evidente) que todos os fins-de-semana, desinteressadamente, animam as celebrações. Porque é que em vez de se ir buscar um coro de fora se não confia esse trabalho à gente da casa? Não será uma forma de reconhecer o seu esforço e de a estimular?
Há zeladoras que, não sendo floristas profissionais, adornam, semanalmente, a igreja com muito bom gosto. Porque é que se não recorre aos seus préstimos quando se trata de preparar a igreja para a celebração do casamento?
Há uma festa popular. Existe na localidade um rancho folclórico. Existem bons cantores, bons concertinistas, bons flautistas, bons apresentadores, bons contadores de anedotas. Porque se não há-de levar ao palco gente da terra, que até se sente estimulada, com isso, a trabalhar cada vez melhor? E que dizer de oradores e conferencistas que se vão buscar longe, não dando a oportunidade a que os da casa possam mostrar do que são capazes?
3.Também aqui se está a viver mais da importação do que dos produtos da terra. Pomos de lado os nossos valores e as nossas capacidades. Não damos às pessoas a oportunidade de revelarem o que valem. Não as apoiamos. Não as estimulamos. Não as apreciamos. E é pena.
Não deixaria de ser interessante que os responsáveis locais procurassem fazer o inventário do que têm dentro de portas. E o que se paga por um espectáculo poderia ser utilizado para gratificar pessoas da terra, que na generalidade cobram muito menos ou nem sequer apresentam a conta.
É bom que ponhamos de lado a mania das grandezas e abandonemos o preconceito de que só o que vem de fora é que tem valor.
Estou a lembrar-me de um modesto carpinteiro, analfabeto, que enaltecia as virtualidades de um serrote, porque era coisa estrangeira. Mal ele sabia que na folha daquele instrumento de trabalho se lia made in Portugal.
Não acontecerá de andarmos a comprar, como produto importado de alta qualidade, peças confeccionadas por nós que foram em passeio lá fora só para lhes colarem a etiqueta?
4.Mais duas observações:
Já viram a invasão de música estrangeira, pondo de lado o muito de bom que entre nós se produz?
Já reparam na inundação de termos estrangeiros, sobretudo ingleses, com que se denominam determinados objetos e atividades? Não há na nossa língua termos adequados? O nosso idioma não é uma língua viva? Nos meus tempos de estudante alertavam-nos para o uso dos estrangeirismos. Hoje, quem os não usa manifesta ignorância!
5.O que se denomina prata da casa, muitas vezes de prata só tem o nome. Vale muito mais. Mas, mesmo que seja modesto, vistas bem as coisas e pesadas todas as circunstâncias, poderá ultrapassar o bom ouro.
Autor: Silva Araújo