1 - Já não é novidade para ninguém: o Ministro da Ciência e Ensino Superior propõe-se criar três novas Faculdades de Medicina, com cursos simplificados e abreviados de Medicina Geral e Familiar, que considerou mais simples e fácil do que qualquer outra especialidade; dá, como exemplo, o que, nesta matéria, se passa com o ensino da Medicina no Reino Unido; o objectivo parece ser o de conseguir, rapidamente, um grande número destes médicos, de modo a que não fiquem, como até aqui, desertos os concursos para lugares desta especialidade nos Centros de Saúde; de imediato, a Ordem dos Médicos (isto é, a classe médica) reagiu frontal e negativamente, quer ao projecto ministerial, quer à sua fundamentação; sentindo-se menorizados e desprestigiados na sua formação e capacidade científica e profissional, os médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar foram mais longe, ripostando energicamente à ofensa, contestando aquelas afirmações e exigindo mesmo ao Ministro um pedido de desculpas; logo a seguir, a Associação dos Médicos Britânicos desmentiu, no que respeito lhe dizia, as comparações do Ministro português; depois foi a vez de a União Europeia de Clínicos Gerais/Médicos de Família rebater as afirmações ministeriais sobre a formação de médicos daquela especialidade.
2 – Depois disto, o Ministro não se demitiu. Limitou-se a responder que os médicos tinham distorcido as suas palavras (que apareceram, claríssimas, graficamente reproduzidas nas televisões) e que, por isso, eram os médicos que lhe deviam desculpas.
3 – Paralelamente a esta novela, Catarina Martins, coordenadora de um partido que apoia o Governo, numa acção de propaganda eleitoral autárquica, dizia o que há muito já deveria ter sido dito por alguém da oposição:
Que muito mais de um milhão de portugueses continua sem médico de família; que isso se deve ao facto de continuarem a ficar parcialmente desertos os concursos para preenchimento das vagas daquela especialidade nos Centros de Saúde; que o problema se resolve tornando a profissão mais atractiva através de remuneração condigna de trabalho tão especializado.
Verdadeiro, elementar e simples! Só espanta como é que a oposição, ou as oposições, entretidas em casos e questiúnculas, não pegaram neste problema e nesta campanha, que, isto sim, seria matéria para se lutar e fazer oposição. Paradoxalmente, é do lado do apoio ao Governo que surge a solução!
4 – Ao contrário do que pensa o Ministro da tutela, Portugal não precisa de mais Faculdades de Medicina e muito menos de «aviários» de formação médica simplificada, abreviada e acelerada. As que tem chegam e as Faculdades existentes garantem a manutenção dos números. Segundo a Eurostat, Portugal é o país da União Europeia com mais médicos de clínica geral por habitante: 253/100.000. E, segundo a Pordata é o terceiro país da União Europeia com mais médicos : 497/100.000 habitantes, face à média europeia de 360/100.000 habitantes.
Os concursos desertos, não só nos Centros de Saúde mas já também nos Hospitais Públicos, não significam falta de médicos. Significam que eles emigram, em massa, para instituições de saúde privada (ou para o estrangeiro) onde são remunerados e cientificamente estimulados de forma mais condigna com a sua formação e competência.
Para estancar o êxodo e resumindo, bastam duas medidas:
- Descongelem-lhes as carreiras (suponho que, disto, Catarina Martins não falou) e
- Remunerem-nos de forma equivalente às suas competências científicas, clínicas, profissionais – como fazem as instituições privadas e hospitais estrangeiros – e logo todas as vagas do Serviço Nacional de Saúde serão preenchidas. Aposto.
É o ovo de Colombo.
*Professor universitário aposentado.
Nota: por decisão do autor, o presente texto não obedece ao impropriamente chamado acordo ortográfico.
Autor: M. Moura Pacheco