No dia 2 de Outubro a Igreja chama-nos a atenção para a existência, em cada ser humano, que é amado por Deus duma forma inexcedível, de um anjo protector e conselheiro, que tem a missão de o ajudar a seguir pelo caminho da salvação, de forma a que ele possa usufruir, para sempre, a felicidade perfeita, ou seja, entrar para sempre no reino dos Céus.
Já dar ao ser humano a existência é uma manifestação do amor divino, porque concede a cada um de nós essa possibilidade que acabámos de referir. O fim da nossa existência não é, assim, fruto de uma espécie de fabricante de peças que são atiradas para a vida em série, deixando cada uma entregue a si mesma e às suas possibilidades. De maneira alguma: Deus é um ser providente e esta qualidade tem um sentido mais afectivo e real, porque todo o seu cuidado sobre cada ser humano é a de um Pai amoroso, que vela pela vida dos seus filhos com um carinho e um sentido de oportunidade perfeitos.
O Anjo da Guarda é uma das muitas provas desse zelo divino. Criou-nos à sua imagem e semelhança. Por isso somos seres com a faculdade de escolha voluntária de tudo o que se depara à nossa frente e se adequa, de algum modo, às nossas possibilidades. Mas Deus não nos deixou sozinhos. Sempre com o maior respeito pela nossa liberdade, determinou que cada homem tivesse um ser inteligente a seu lado, para o ajudar a seguir o caminho que o conduz ao seu fim, ou seja, como atrás se referiu, entrar para sempre no reino dos Céus.
Se pensarmos na natureza angélica, mais sensibilizados ficámos com o cuidado e a vontade do criador na nossa salvação. Um anjo é um ser muito superior ao homem. A sua inteligência, a sua natureza – totalmente espiritual –, o seu conhecimento de Deus (priva com Ele face a face), enfim, a sua santidade (não esqueçamos que o nosso Anjo da Guarda, como ser livre, fez a escolha de servir sempre a vontade divina, ao contrário de tantos outros seus congéneres, que, chefiados por Lúcifer, a rejeitaram e hoje vivem desgraçadamente no inferno sem quererem voltar atrás). Enfim, também, como ele, somos seres livres, mas não podemos competir em inteligência e santidade com a sua pessoa. O que nos faz pensar, conscientes das nossas debilidades, que a sua presença na nossa vida é, da sua parte, um acto de humildade e de submissão à vontade de Deus, que por si é considerada como uma missão e aceite com alegria, porque o que Deus pede é sempre perfeito e o melhor, não evidenciando qualquer deficiência ou inadequação ao fim da tarefa que solicita.
Tudo isto nos deve fazer pensar seriamente na nossa responsabilidade no trato que devemos ter com o nosso Anjo da Guarda. Às vezes, talvez indavertidamente, lhe demos pouca importância. Nas dificuldades, recorreremos à sua ajuda. Mas, uma vez superadas, colocamo-lo como um objecto respeitoso de estimação, num recanto mais ou menos pouco frequentado na vida do dia a dia. E ele, aí fica, certamente sempre disposto a auxiliar-nos, até que uma forte contrariedade, nos leva a retirá-lo do seu lugar secundário ou nebuloso e exigimos que nos faça vencer essa montanha tremenda que temos de escalar e vencer.
Não é justo. Recordemos que, ainda que nos conheça bastante melhor do que nós a nós mesmos, ele não pode entrar na nossa intimidade. Aí, só cada um de nós, com as limitações próprias do nosso conhecimento, e Deus, com a sua omnisciência absoluta, têm capacidade de a penetrar. Por isso, devemos acostumar-nos a falar francamente com ele, expondo-lhe o que anda no interior da nossa consciência. O seu conselho será mais oportuno, não porque não conheça com profundidade o que nós lhe expomos, mas porque, da nossa parte, há essa abertura e desejo de colaborar com ele na nossa santificação, isto é, manifestamos-lhe, com sinceridade, que desejamos a sua ajuda. Por isso, nos abrimos com ele com toda a franqueza e simplicidade.
Pensemos que, quando temos o encargo de ajudar alguma pessoa a atingir um certo objectivo, é-nos mais fácil e agradável se, da sua parte, houver disponibilidade e boa aceitação. Pelo contrário, as dificuldades aumentam, quando o quadro da colaboração esmorece e se mostra desinteressado ou até fechado à nossa acção. Que o dia dois de Outubro nos leve a pensar como lidamos com o nosso Anjo da guarda e lhe abramos as portas da nossa intimidade, certos de que ele é um grande e verdadeiro amigo.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva