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O Natal possível

Devido às condições pandémicas que nos afligem, estamos às portas de mais um Natal atípico, inconsequente; e porque se o Natal é a festa da família, dos afetos, do Amor total e consequente não nos é plenamente possível esta forma de nos aproximarmos, nos relacionarmos, nos afeiçoarmos.

Todavia, esta forma de estar neste Natal não nos impede de pensarmos no país que temos, no povo que somos e, obviamente, o que tem sido feito pelos poderes constituídos para corrigir, melhorar, acertar o rumo às coisas e dar ao povo bem-estar, felicidade, futuro.

Assim sendo, numa coisa me parece estarmos todos de acordo: se o dinamismo, a operacionalidade, a doação aos outros dos agentes políticos e governativos se medisse pelas palavras que dizem, pelas promessas que avançam, pelos amanhãs cor-de-rosa que desenham seriamos um povo mais feliz, orgulhoso, realizado, mas, a realidade é bem oposta e o que se vê é ministros cortando fitas, devorando alcatrão, tragando almoçaradas o que, inevitavelmente, conduz à frustração, ao virar de costas, ao descrédito nos homens e nas instituições.

E uma democracia assim tende a esvaziar-se por escassez de objetivos que a animem e acalentem; porque nunca as verdadeiras democracias viveram de palavras e muito menos da prática abundante e permanente de ideologização a que o pragmatismo em excesso conduz. O aprofundamento democrático exige empenho, disponibilidade, compromisso de toda a sociedade; e a nossa democracia é já o exemplo acabado da falta de participação e do exercício de cidadania, bem como da afirmação dos direitos cívicos, liberdades e valores fundamentais.

Porque estamos às portas de mais um Natal atípico e inconsequente, tal facto não nos dispensa de pensarmos seriamente nos outros e a eles nos darmos sem rebuços nem reticências; até porque ele já se pressente no festival de luzes e cores, no bulício das montras, na pressa das pessoas sobraçando promessas, sonhos, ilusões, ser um Natal demasiado folclórico, mais de parecer que de ser, egoísta, individualista, cada vez mais distante dos outros.

Depois, dia-a-dia cresce a angústia, a solidão, o deserto de sentimentos no coração dos homens, porque a pobreza aumenta, a exclusão avança, as injustiças campeiam, as desigualdades proliferam, e isto acontece porque o verdadeiro Natal, o Natal do Menino de Nazaré, da partilha, da justiça, da paz e do Amor está a desaparecer do coração dos homens, devorado pelo ateísmo, pelo consumismo, pelo hedonismo, pelo materialismo.

Por isso, meus amigos, quando depois de amanhã for tempo de Consoada que em cada iguaria apetecida, que em cada prenda trocada, que em cada sorriso dispensado esteja presente a míngua, a tristeza, a solidão dos que nada ou pouco têm, como igualmente esteja a presença do calor humano no dar e receber, esteja ai a festa da solidariedade.

Porque a essa mesma hora, há no mundo milhões e milhões de crianças que morrem vítimas da fome, da doença, dos maus tratos, da guerra, e, sobretudo, da crueldade humana que origina também milhões e milhões de outros seres humanos explorados, humilhados, excluídos e ofendidos sem direito a Natal, a nenhum Natal, mesmo que fosse o das ruas, das montras a arder de mil luzes e cores, da fartura alimentícia dos hipermercados e da fúria consumista dos centros comerciais.

E que, ao menos, nessa hora de inevitável fartura, dispêndio, ostentação e alegria tenhamos para eles os sem Natal – ao menos um pensamento, um propósito, uma evocação simples que seja; porque este será o reconhecimento de que nossos irmãos e amigos eles são, com direito a um lugar no nosso Natal, no Natal dos nossos corações. Assim, mesmo atípico e inconsequente, celebremos o Natal, o verdadeiro Natal da partilha, da doação, da fraternidade, do Amor, o Natal do Menino, do Menino do presépio de Belém.

Então, ate de hoje a oito.


Autor: Dinis Salgado
DM

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22 dezembro 2021