Os dias passam e não parámos para os contar. Muitas vezes, até, parece que existe dentro de nós uma relutância em pensar nesse nosso companheiro de toda a vida, que não nos larga e sempre se apresenta à nossa frente, atrás de nós, em todas as circunstâncias, em todas as dimensões.
Se recordamos algo do passado, aí nos surge com bons momentos, que tanto gostamos de relembrar, ou com situações complexas, sobre as quais não nos agrada pensar, porque nos fazem sofrer. O mesmo em relação ao futuro: abraçamo-lo com vontade de o antecipar, quando o que nos aguarda se afigura agradável e atraente. Mas se a sua cor é de temer, não o desejamos e, à medida que nos aproximamos mais do momento em que o que tememos se vai concretizar, o nervosismo e a ansiedade sobem de grau, ao ponto de nos tornar mais forte a vontade de não o encarar de frente, se é viável, ou de adiar a sua resolução para uma altura mais favorável e menos dolorosa. Por vezes, se seguimos este último modo de procedimento e as dúvidas continuam a remoer a consciência, instala-se em nós um sentimento de cobardia, que nos dói e nos humilha.
No próprio presente, ele nos enlaça também, apresentando-se como um amigo afável, sempre que o que vivemos nos agrada; ou como algo repelente, se o que devemos então fazer nos obriga a uma luta dura para cumprirmos o que é inadiável. Enfim, o tempo, de quem falamos, apresenta, como se vê, facetas muito diversas, que qualificam todos os contrastes com que a nossa existência se depara.
Mas há momentos em que ele nos conduz a ter muito presente algo que nos faz referir toda a nossa conduta a um facto, ensinado pela história. É o caso do próximo dia 25 deste mês, dia de Natal.
Apesar de a nossa sociedade ter perdido, em parte, consciência sobre o que essa data significa, a verdade é que a essência do dia de Natal diz respeito ao nascimento, em Belém de Judá, dum menino igual a todos os outros, que não poderia sobreviver, como qualquer recém-nascido, se não lhe tivessem dispensado a atenção e o carinho devidos os seus pais, nomeadamente a sua mãe, que o aleitou durante o tempo normal que um ser humano necessita para poder crescer e progressivamente ganhar autonomia.
Mas, para um cristão, apesar da normalidade dessa nova criança, ele sabe que quem esteve deitado carinhosamente nas palhinhas do presépio – que era um estábulo –, e foi visitado por pastores muito simples, avisados por uma multidão de anjos celestiais, é, para além de mais um bebé entre muitos, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada, ou seja, é o Filho de Deus, que assume no seio de Maria, sua Mãe, a natureza humana, para a redimir, voltando a dar a todos nós a possibilidade de conquistar o fim para que Deus nos criou, ou seja, de vivermos a nossa imortalidade no Céu, num estado de completa felicidade, possibilidade que fora perdida com o chamado pecado original.
Deus, que nos criou, fez-Se homem e demos-Lhe como primeira habitação um curral de gado. E d’Ele nos despedimos, cravando-O numa cruz, no Monte Calvário, com que a autoridade romana condenava à morte os malfeitores, homens indesejáveis e criminosos.
Com que péssima recepção e péssima despedida tratámos Quem nos fez existir!
E se nos perguntarmos a razão pela qual Deus assim procedeu, só nos satisfaz como resposta o Amor que Ele nos dedica. Como ser responsável, uma vez fechadas as portas do Céu pelo pecado, é o próprio Deus que Se sujeita aos piores tratos humanos, para que a nossa felicidade fosse reconquistada com os méritos infinitos da oferta da sua vida.
De facto, entre o Amor que Deus nos tem e o amor que nós Lhe dedicamos, há uma distância tremenda. Deus ama-nos muito mais do que nós O amamos. O Amor divino é perfeito, absoluto; o nosso, limitado e cheio de carências.
O Natal deve levar-nos a reflectir sobre a qualidade do amor divino, lembrando-nos que Aquele recém-nascido no presépio é Deus feito homem por nos amar dum modo incomensurável. E é a mesma Pessoa que, anos mais tarde, diz a Pedro, quando este Lhe pergunta, com receio de exagerar, se deve perdoar-se até sete vezes a quem nos ofende, que o modelo do perdão verdadeiro – é o de Deus – não se limita a sete vezes, mas a setenta vezes sete, quando se ama alguém, como Deus nos ama.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva