As festas natalícias são publicamente anunciadas com a inauguração da Árvore Municipal no centro das cidades, em Braga tal ocorreu no dia 1 de dezembro, linda, inclusiva, com uma passagem pelo seu interior. Na Praça da República não ouço este ano a magia do som da dança da fada açucarada nem o encantamento da valsa das flores do Quebra-Nozes de Tchaikovsky, a lembrar o Natal da infância na bracarense Gulbenkian. Em contrapartida, a obra foi apresentada na sua integralidade no Altice Braga Fórum.
Não é do advento que tratam as notícias, o tema da última semana foi a detenção de João Rendeiro, fundador e presidente do BPP, que se apropriou indevidamente de mais de 13,6 milhões de euros, pertencentes a milhares de vítimas depositantes, a que muitos depauperou e ao Estado.
A questão Rendeiro levantou, em setembro passado, fortes receios da comunidade quanto à atuação da Justiça portuguesa perante os fortes e poderosos, pois aquele, não obstante estar condenado a 3 penas de prisão efetiva, uma de 5 anos e 8 meses transitada em julgado, conhecida a frequência e capacidade financeira de deslocação para o exterior, logrou escapar às malhas do sistema judicial e “emigrar” – visto que não aceita ser chamado “fugitivo”, com o argumento formal que não fugiu da prisão – para a África de Sul.
A detenção de Rendeiro foi anunciada como uma grande vitória do sistema policial nacional, um ato redentor da perceção pública de incompetência dos Tribunais por não terem apreendido em devido tempo o passaporte do condenado. As primeiras notícias davam conta da sua detenção pela PJ em Durban, seguido de indicações que a sua extradição seria breve, bastava a formalidade duma passagem pela autoridade judiciária local, a entrada em avião com destino a Portugal e a reparação da face da Justiça ficava cumprida.
Não era preciso ser especialista para perceber que não seria assim, não havia semelhança com o rapto de Eichmann na Argentina pela Mossad em 1960, à revelia das autoridades de Buenos Aires. Agora pudemos contar com a cooperação da polícia local, que fez a detenção e do sistema judicial sul-africano que decretou a prisão preventiva. Pode ser que a dureza da prisão de WestVille modifique a intenção de Rendeiro em não regressar voluntariamente a Portugal.
O que tem de especial Rendeiro é a sua enorme soberba, soma de toda a vaidade, orgulho e arrogância, sem arrependimento da desgraça que causou, exigindo um indulto presidencial legalmente inadmissível e moralmente indecoroso, viajando com 12 cartões de crédito, sempre em classe executiva e alojando-se em hotéis de luxo, deixando a sua mulher a penar em Portugal, ainda que arguida, por atos que ele planeou e executou, tendo apenas saudades das suas cadelinhas, um despautério. Na Finança encontramos paralelo em Ricardo Salgado, responsável pela queda do BES, na apoteose do passeio pela Sardenha, ao mesmo tempo que anunciavam a sua demência.
Os exemplos sucedem-se, Oliveira e Costa no BPN, na política os casos Sócrates, Vara, Manuel Pinho, Duarte Lima, Paulo Campos e Costa Pina nas PPP, deixando de fora ex-ministros porque os crimes prescreveram. A crise que sobressaiu em 2008 com a insolvência do Lehman Brothers teve na base a cobiça, a ignomínia e o desprezo dos valores de banqueiros, com a complacência dos governantes e supervisores financeiros.
A grande falha da justiça não está nos detalhes da apreensão do passaporte. Comum a estes casos é terem sido descobertos durante a primeira década, inícios da segunda, deste século. As acusações e condenações só ocorreram 10, 15 e mais anos depois dos factos, dificultando a prova e promovendo a sensação de impunidade. Uma justiça tardia não realiza os seus próprios fins. É imperioso acabar com os megaprocessos.
Quanto diferença para o nascimento de Jesus, na humildade das palhinhas e para o Natal como festa da confiança, família e solidariedade. E para pessoas como o Dr. João Lobo, exemplo de advogado, político sério, escritor brilhante, um Homem bom, cuja morte nos deixa em choque, que saudades da sua eloquência e irmandade.
Leio os últimos versos das “Conversas com o Menino” que o Monsenhor Silva Araújo teve a bondade de me oferecer: “Sempre que derdes as mãos /, - disse Jesus no final - / e me virdes nos irmãos, / fazeis ressurgir Natal. Mas cautela meu irmão / Sempre atento quanto podes / Para ´stragar o Natal / andam por aí Herodes”.
Autor: Carlos Vilas Boas