E aqui chegámos: a 2022 ou ao segundo ano segundo o calendário pandémico da COVID 19. Por muito que o título possa ser enganador, os tempos estranhos e a realidade anormal, a verdade é que o mundo pulou e avançou, extraordinariamente, desde o aparecimento e propagação do SARS-CoV-2.
Hoje, estamos todos mais conscientes da sinergia das nossas ações, das consequências da globalização, da importância da ciência e necessidade dos valores de solidariedade e igualdade nos acessos aos cuidados de saúde. Contudo, nem estas reflexões circunstanciais foram suficientes para inverter o discurso político do ‘regresso à normalidade’ – essa realidade onde modos desequilibrados de prosperidade ameaçam a igualdade, a nossa espécie e o planeta.
Felizmente, nem o mundo nem o tempo estão congelados e tendem, inexoravelmente, para o progresso. 2022 espera-se, por isso, como o ano da recuperação. Mas tal só sucederá caso se somem, aos discursos de boas novas, ações de partilha solidária dos mecanismos de vacinação entre os países e povos mais desenvolvidos e os que mais precisam.
Imaginemos, ainda assim, o cenário menos otimista e (infelizmente) mais provável. Com a subida das taxas de inflação, a retoma da mobilidade global apenas para parte da população (com acesso a planos de vacinação completos), ou o aumento das taxas de juro, é expectável que se agudize a pandemia das desigualdades económicas e que, com isso, surjam novos movimentos de agitação social precisamente propulsionados por todos aqueles que se sintam ‘deixados para trás’.
À escala global temos assistido, por via de uma espiral de desigualdades endémicas, ao empobrecimento da pluralidade do campo político e ao reforço da polarização entre os extremos – inevitavelmente prejudicial à vida democrática dos países. O caso das eleições chilenas de 2021, onde um candidato de inspiração neofascista (e admirador do ditador Augusto Pinochet) apenas saiu vencido graças a um entendimento amplo da esquerda progressista e democrática, é bem demonstrador do descontentamento popular e da canalização do mesmo para soluções de má memória.
O próximo ano será, tanto pelo calendário eleitoral como pela conjuntura, um verdadeiro teste à democracia representativa como modelo político. Das eleições colombianas às eleições brasileiras, decisivas para o contexto regional da América Latina e para a afirmação de forças políticas populistas no panorama global; nas eleições presidenciais filipinas, onde a democracia estará em risco de colapso, como bem ilustram as candidaturas do famoso pugilista Pacquiao à presidência da República e da filha do atual presidente Duterte à vice-presidência; nas eleições legislativas húngaras ou presidenciais francesas, onde emergem as ondas populistas e xenófobas de Órban ou Zemmour; ou, por último, nas ‘mid-term’ norte-americanas mais polarizadas desde a Guerra Fria, muito fruto do posicionamento da diplomacia estadunidense face à afirmação da República Popular da China, que serão o verdadeiro teste à presidência democrata de Joe Biden.
Há, por isso, razões para um empenho redobrado na garantia de que o passado recente não se multiplica. Mais do que o ano de recuperação, este deve ser o primeiro de muitos anos de reformas estruturais: no combate às alterações climáticas e na promoção de novos padrões de consumo e produção; na promoção de modelos de justiça social e de uma agenda de empregos dignos; na definição de programas solidárias de ajuda aos migrantes que procuram melhores condições de vida; na utilização da transformação digital em prol de um novo paradigma pedagógico para os desafios do mundo e, em última instância, para a salvaguarda das democracias.
Importa, portanto, que este seja o ano das reformas e dos valores morais.
Autor: Bruno Gonçalves