Há muito que achava que havia qualquer coisa pouco clara com o ministro. Asneiras em cima de asneiras e nada. Nem pedia demissão, nem o chefe o demitia. E não acredito na tese de que era um excelente ministro, porque não era. Nem no último episódio, que foi gravíssimo, alguém queria retirar consequências. Está na moda este modo de estar na política!
Sabe-se agora que o ministro viu a vítima atravessar a via, mas não deu conta da velocidade a que circulava o veículo em que seguia. Era o passageiro mais frequente naquele veículo conduzido por um mexilhão que andava depressa e que disso não tinha ainda reparado. Nem na altura reparou nisso. Só reparou quando o relatório do acidente saiu e o Ministério Público acusou o condutor. E deve ter sido ele próprio ou alguém do seu gabinete a fornecer o nome a quem de direito. Se calhar, tão preocupado andava com os compromissos e os azares que lhe ocorriam no exercício de funções – e foram sempre muitos – que nem se dava conta de tantas coisas que aconteciam. Naquele dia – ninguém fique espantado –, viu alguém atravessar a faixa de rodagem, mas nem reparou que as árvores na planície alentejana fugiam do campo visual em menos tempo do que acontecia quando ele próprio conduzia o seu automóvel particular.
Claro que nos fica na dúvida se o ministro não teria pedido ao mexilhão para carregar um pouco mais no acelerador por ter um compromisso num local e depois logo mais noutro. Em todo o caso, se era apenas passageiro quando utilizava aquele meio de transporte, a dúvida estende-se também ao condutor. Talvez fosse este que levava pressa, logo não ser justo atribuir ao ministro qualquer responsabilidade pelo facto do Serafim se ter excedido. A verdade é que houve muitos que não concordaram, nem concordam, com esta última eventualidade e que desde há pelo menos dois anos insistiram com o seu chefe, mas por mais razões, para que o demitisse, coisa que o responsável máximo nunca admitiu, alegadamente por considerar que o primeiro era um “excelente ministro”. Pessoalmente, não sei o que tem de excelente um ministro que não evitava tantos e variados azares, diria que em toda ou quase generalidade das suas competências.
Há uma tese segundo a qual o ministro era um perigo, não a conduzir, pois tinha motorista oficial, mas por não assumir nenhuma responsabilidade sempre que alguma lhe era atribuída. Concordo com a mesma. Cheguei a ouvir-lhe várias desculpas esfarrapadas relativamente a incidentes graves havidos na esfera das atribuições do seu ministério, sendo os erros, os actos e as omissões de atenção e cuidados atribuídos sempre a desconhecidos ou a terceiros, o que entendi ser tudo falta de carácter. Em defesa dos ataques que lhe eram feitos, o ministro respondia sempre que as críticas eram “aproveitamento político”. E contou a todo o tempo, como da última vez, com “a solidariedade do Senhor Primeiro-Ministro”, como o próprio admitiu. Num dos últimos discursos, voltou ainda a afirmar que o dedo acusador de tantos era um “repugnante aproveitamento político”. Uma desculpa em que muitos não acreditaram e nem ele acreditava, que se não fosse assim não se teria demitido como acabou por acontecer. O ministro resistiu até há pouco, até à última, apesar das muitas polémicas, sem que o seu chefe alguma vez lhe tenha tirado o tapete, pelo contrário, sempre com o confortável respaldo do mesmo, criando-se a ideia de que a responsabilidade é sempre do elo mais frágil, o que sabemos que não é assim.
É verdade que o ministro que nunca assumiu responsabilidades, que era ríspido e inexplicavelmente foi sempre defendido pelo chefe do Executivo, já não o é, mas o problema não desapareceu com a demissão. Ficou ainda o Governo e, em concreto, o seu responsável máximo, o primeiro-ministro, que lhe deu colo nos diversos casos graves que aconteceram. A gente já sabe que compete ao primeiro-ministro, e só a ele, substituir um ministro, mas não é razão bastante para que não proceda a uma demissão só porque há pessoas a pedir a substituição.
Autor: Luís Martins