Ao ouvir dizer esta manhã a alguém que não conheço, quando tomava café numa pastelaria perto da minha casa: “Já cheira a Natal!”, lembrei-me da expressão “próximo”, talvez porque aquela exclamação espontânea e profundamente sonora, me fez pensar no senhor que a disse. Tornou-se de facto “próximo” de mim, não só pelos bons pulmões e boa garganta que demonstrou, mas também por me ter chamado a atenção para uma festa litúrgica tão carinhosa, que dá “proximidade” real a muita gente que não se reúne noutra ocasião com os seus familiares e amigos. Pelo menos com o sentido de satisfação e de afabilidade a que o Natal cristão nos convida.
O primeiro Mandamento da Lei de Deus ordena que adoremos e amemos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Mas quem é o próximo? Em primeiro lugar, quem tem a minha natureza. Neste sentido, todo o ser humano é meu próximo e a ele devo dedicar uma relação de respeito e de consideração que tome em linha de conta a sua dignidade. A célebre frase – se não estou em erro – de um “Lorde” inglês que afirma: “Quanto mais conheço o homem, mais gosto do meu cão”, pode ter alguma graça e ironia, mas revela uma atitude pessimista sobre a nossa condição. Não posso ter para com o meu cão a mesma deferência e o mesmo sentido de dever que dedico a um ser humano. Por isso, mesmo que goste muito dele, não devo prestar-lhe mais atenção e amizade do que a um representante da minha espécie. Pode acontecer que este me incomode e sature mais do que o meu cão, mas é óbvio que se tenho um acidente de viação, onde vai um vizinho meu, aborrecido e impertinente, a quem dei boleia ocasional, e o meu cão, se ambos se ferem gravemente e eu, por sorte, fico ileso, por mais que goste do meu cão, a quem tenho de atender em primeiro lugar com toda a deferência e dedicação é ao meu vizinho maçador; e, se tenho hipótese, depois lá vou ver o meu cão, se entretanto não morreu... Suponho que os adeptos do PAN estão em plena sintonia com tais observações.
Esta proximidade universal do homem para com o seu congénere, conhece muitos graus de diferenciação em matéria da dita proximidade. Tenho mais obrigações para com algumas pessoas do que para com outras. E isto é uma realidade natural e moralmente indiscutível. Com certeza que sinto uma grande admiração por qualquer um dos meus antípodas neo-zelandeses (confesso que não me recordo de ter falado ou conhecido em concreto alguém dessa zona da terra, salvo através de notícias dos “media”), mas obrigo-me, em consciência, a atender com mais cuidado e atenção os problemas do meu vizinho “chatarrão”, a quem, provavelmente, procurarei evitar contactos desnecessários para desfrutar de mais paz e sossego. O mesmo se diga com os membros de uma família. O parentesco gera obrigações naturais de proximidade. Algumas, mais fortes, como as de pais para filhos, de irmãos para irmãos, de esposo para esposa, etc. Algo de semelhante acontece, com uma graduação variada, nas nossas relações profissionais, de amizade, sociais, etc..
E não estranhemos que estas graduações não sejam tão rígidas que sempre ocupem um lugar privilegiado e inamovível em relação a outras. Já referimos que o laço familiar é naturalmente vinculativo. Mas as relações de amizade íntima com alguém que se acompanha, por motivos profissionais, de lugar de residência, de convivência social, de obrigações contraídas, etc., pode criar deveres de proximidade mais fortes entre duas pessoas do que a simples motivação de parentesco. Em suma: se o meu próximo é naturalmente todo o ser humano, devo ter consciência de que a proximidade conhece níveis e valores de obrigação, de acordo com as circunstâncias da vida de cada um e das suas relações com as pessoas com quem lida.
Pode até haver situações meramente ocasionais, que “fabriquem” novos meus próximos, que “nunca” o tinham sido até essa altura. Um exemplo: há alguns anos, em plena A1, entre Coimbra e Leiria, conduzia pacatamente o meu carro. Numa recta ampla, ainda longe, notei que havia polícias e bombeiros, Os primeiros orientavam o trânsito, e os segundos atendiam vários feridos, que jaziam no chão, depois da carrinha em que voltavam da caça, do Alentejo, ter capotado, creio que por adormecimento do condutor. Parei e procurei atender as pessoas prostradas, que me receberam com lágrimas nos olhos e muito sentido de agradecimento, apesar das contusões profundas. E concordei com o que me segredou um bombeiro: “Senhor Padre, compreendo perfeitamente a sua atitude. Mas nada de “sermões”, porque o que eles precisam é de ir para o hospital rapidamente ...” Tinha toda a razão. Fiz o que podia e ele o que lhe competia a esses próximos ocasionais. Graças a Deus, apesar da gravidade do acidente, não morreu ninguém...
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva