Não pode o cronista fugir aos acontecimentos mais marcantes da sua época e ou do seu tempo. É próprio da informação trazer a surpresa, o inesperado e a novidade em cachas e parangonas de primeira página, não tanto do cronista que, como entendo, deve analisar os efeitos dos acontecidos sobre as populações: uma sociologia de efeitos muito mais que uma sociologia de causas, isso é, mais a foz do que a nascente: Estamos longe de cronistas como Rui de Pina, Gomes Eanes de Zurara ou do consagradíssimo Fernão Lopes. Os cronistas modernos não têm reis nem batalhas para narrar, como João de Barros nas Décadas, mas nem por isso se devem eximir a contar o que lhes passa diante dos olhos. Por isso, não pode ficar indiferente ao que se está a passar com a epidemia Coronavírus na sua versão inicial ou na Covid 19. Perguntando a alguém da área da saúde, disse-me que se trata de um vírus e não de uma bactéria, vírus que se propaga antes de se declarar e que está a tomar foros de pandemia, isto é, está a propagar-se pelo planeta. Alarme porque se trata duma pandemia? perguntei. Nada disso, é uma gripe que se assemelha a tantas gripes sazonais, que para já nem tem feito vítimas em maior número que aquelas mas que está a criar uma onda de medo. Há quem já tivesse açambarcado máscaras cirúrgicas, de efeito muito pouco positivo, há quem corra ao açambarcamento de bens e ainda há quem procure locais e ou zonas onde esta estirpe de vírus ainda não chegou. É o medo em escala ascendente. E é deste medo que é preciso ter medo. Os debates televisivos, as declarações dos responsáveis pela saúde pública, devem ter muito cuidado no que dizem; têm que se lembrar que há pessoas que se alarmam até ao histerismo mesmo que se lhes fale em probabilidades. Não digo que não seja provável de virmos a ter um milhão de pessoas infetadas, como disse a dra. Graça Freitas, diretora-geral da saúde. Mas bastou este número para criar alarmismo e insegurança nas pessoas. São tão ténues as paredes que os separam que ao mais pequeno sinal de agravamento o medo transforma-se em pânico e este em ocultação do bem senso Até alguém chegou a sugerir no paroxismo do medo de faltar o abastecimento nos supermercados e lojas e portanto deveríamos correr a açambarcar arroz, massa, feijões e carne embalada. Temos o exemplo com as máscaras: houve quem comprasse às dúzias. É neste quadro que se agita e medra o medo do medo. É legítimo haver medo? Nem é legítimo nem é ilegítimo, é tão natural como a alegria, a euforia ou o desânimo. O medo é um sentimento que precede o pânico e este estabelece a desordem. Houve em Portugal, primeiro que tudo, uma larga resistência passiva à informação viral, depois uma calmaria que pronunciava uma tempestade; bastou aparecer os primeiros dois casos positivos e toda aquela calmaria se agitou como ondas encapeladas pelo vento. A ação é intrínseca às atitudes do governo, porque as pessoas confiaram nele e nele sossegaram quando dizem que há hospitais de prevenção, hospitais de retaguarda, que dispomos de serviços de isolamento em ação; tudo isto deu para acreditar que estávamos defendidos ou, como disse a dra. Graça Freitas, deu para crer que “o estado trata dos seus”. Mas há uns ventos que agitam as ondas desta aparente tranquilidade: as televisões. E é deste vento que eu tenho medo. As televisões propagam de casa em casa, como os aedos espalhavam as notícias de castelo em castelo, o medo do vírus. É um mau serviço público: alarma, difunde e cria um ambiente social de medo. Que adianta sabermos que há mais um infetado?
Autor: Paulo Fafe