Foi bom ver que o futebol não é apenas chutos numa bola. Outro gesto bonito e carregado de sentimentalismo e amor entre dois jovens, antes do encontro de futebol, foi o pedido de casamento que Frederico fez à sua Bárbara. Amor é sempre aquele toque fino de alma que a todos diz muito, como filigrana de afetos em coração artesanal; foi também uma manifestação de corações que se prometem, mas quando é manifestado em público, torna-se um sorriso em cada face de quem vê e uma aleluia em cada coração que sente. E isto aconteceu num campo de futebol.
Escolher um dia de jogo de futebol, é escolher milhares de testemunhas. Mas ao lado destes dois amores, o da solidariedade e o do coração a dois, uma nota triste, muito triste, vem colocar neste lençol branco uma nódoa tão suja que se não lava com nenhum detergente e que não se deseja, nem se espera que persista: segundo se leu na comunicação social, um grupo de energúmenos, segundo parece, adeptos do Braga, apedrejaram as viaturas estacionadas; de adeptos do Benfica? Foi precisa a intervenção da polícia para acalmar estes maus adeptos bracarenses. Que nódoa em dia tão belo! Mas porquê? Que adianta hostilizar aqueles que torcem pelo adversário?
Nós somos uma sociedade tolerante; com os portugueses podem coexistir religiões e credos diversos; convivemos ao longo dos séculos com povos das mais diferentes latitudes, não proibimos as vestes dos que se vestem diferente. Os que nos visitam enaltecem sempre a nossa hospitalidade. Então onde vamos buscar a razão destes desmiolados que nos envergonham? Não sei que desforra é esta, não sei colocá-la numa tabela de desvios comportamentais. Não sei porque ela não cabe numa análise de herança, nem de educação cívica, nem de qualquer atavismo.
Então só pode ser filha de frustrações várias que nada têm a ver com o futebol mas para ele se transfere numa medida despropositada, muito além da paixão, muito próximo de um ódio inconsequente e sem fundamento. Dizem que a polícia não interveio a tempo, que não previu os acontecimentos, mas a verdade é que não foi a polícia de praticou os desacatos. O que destes três comportamentos se pode retirar é que o mesmo fenómeno, a paixão pelo futebol, determinou três comportamentos distintos: o da solidariedade, o do amor e do ódio. Isto significa que perante a mesma paixão, uns relativizam-na e outros radicalizam-na.
Ou se quisermos uns são civilizados porque dominam as paixões, outros são primitivos porque se deixam dominar por elas. Se as arruaças e os apedrejamentos continuam, e continuarão se não houver castigo exemplar, daqui para a frente todos os clubes que vierem a Braga, deixam de trazer apoiantes, ou têm de contratar outros arruaças, para se baterem de igual para igual, com os arruaceiros de cá.
Luis Filipe Vieira e António Salvador deram as mãos num gesto de solidariedade; o Federico e Bárbara deram as mãos num ato de amor; os energúmenos pegaram nas mãos para apedrejar os carros do Benfica. Faz a diferença, a mesma que há entre o mais e o menos, entre o bem e o mal, entre a civilização e a barbárie.
Autor: Paulo Fafe