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O maior bem do outro: poder crescer na fé (88)

        Sigo ainda o discurso do papa Francisco aos sacerdotes de Roma no dia 2 de Março. Quanto mais o releio, mais o saboreio e mais convencido fico de que tem de ser partilhado, até para nos convencermos de que, de facto, o maior bem que podemos fazer ao outro e a todos os outros é ajudá-los a que possam crescer na fé. Sem uma fé sólida, a Páscoa resume-se a um ritual festivo que, como todos, passa muito depressa, mas não deixa nada gravado no nosso coração.

Diz o papa Francisco: «...a fé progride quando, no momento presente, discernimos como concretizar o amor no bem possível». A fé é um bem comunitário, sendo certo que procurar o bem do outro nos obriga a arriscar, não tendo medo de sujar as mãos na lama do caminho».

A fé não se esgota numa formulação abstracta, assim como a caridade não se esgota num bem particular. O próprio e específico da fé e da caridade é crescerem e progredirem, abrindo-se a uma maior confiança e a um bem comum maior. A fé tem de ser operante, activa, como o tem de ser a caridade. «O discernimento do amor real, concreto e possível no momento presente, em favor do próximo mais dramaticamente necessitado faz com que a fé se torne activa, criadora e eficaz.»

Simão Pedro é o modelo de uma fé bem provada e joeirada. O senhor não o poupou e criticou-lhe a sua pouca fé, espicaçando-o a progredir e crescer na fé. Pouco antes da sua Paixão, Jesus diz a Pedro que rezou por ele para que a sua fé não esmoreça, porque ele e os outros apóstolos vinham a discutir qual deles seria o maior no novo reino: «Simão, Simão, Satanás pediu para vos joeirar como o grão; mas eu pedi por ti, para que a tua fé não esmoreça. E tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos». (Lc 22, 31-32)

Papa Francisco convida-nos a aprofundar estes dois versículos, porque o Senhor reza por Pedro, mas pensando em nós. As traduções variam: «para que a tua fé não desapareça», «para que não diminua». Eu preferi «não esmoreça». O verbo grego é ekleipo, de onde vem eclipsar, o que nos proporciona uma imagem muito plástica: uma fé eclipsada pelo escândalo da Paixão. «É aquela experiência que denominamos 'desolação': isto é, alguma coisa cobre a luz. O verbo que, na tradução oficial, aparece traduzido por «convertido» é «epistrepsas» que significa 'voltar atrás', isto é, voltar à consolação anterior, depois de ter passado por uma experiência de desolação e de ser posto à prova pelo demónio. Pedro é incitado a confirmar a fé dos seus irmãos, no sentido de a consolidar para que, dali em diante, seja uma fé 'determinada', sólida. Uma fé que nenhum vento de doutrina possa fazer balançar.

Por fim, Francisco convida-nos a reler estes dois versículos de Lucas da seguinte maneira: «Simão, Simão, […] eu pedi por ti ao Pai para que a tua fé não permaneça eclipsada (pelo meu rosto desfigurado, tu que o viste transfigurado); e tu, uma vez que saíres desta experiência de desolação, de que o demónio se aproveitou para te pôr à prova, confirma (com esta tua fé provada) a fé dos teus irmãos».

Um outro episódio marca a vida de Pedro: os dois nomes. Simão é o nome com que Jesus o chama quando falam como amigos. Pedro é o nome com que Jesus o apresenta, o justifica, o defende e põe em relevo de maneira única como seu homem de total confiança, diante dos outros. E embora seja Jesus quem lhe dá o nome de 'Pedra', Ele chama-o Simão. «A fé de Simão Pedro progride e cresce na tensão entre estes dois nomes, cujo ponto fico está centrado em Jesus.». E chamar-se Simão (o pescador e pecador) e Pedro (Pedra e chave para os outros) obrigá-lo-á a descentrar-se constantemente para girar em torno a Cristo, o único centro e ponto firme de apoio.

Simão Pedro discernirá sempre qual é a mão que o salva: «a quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna». Humanamente, esta consciência de ter pouca fé, juntamente com a humildade de se deixar ajudar por quem sabe e pode fazê-lo, é o ponto de sã auto-estima em que radica a semente daquela fé 'para confirmar os outros', para 'edificar sobre ela', que é a fé que Jesus pretende de Simão e de nós, que participamos no ministério. É uma fé que se pode partilhar, talvez porque não é excepcional. Não é a de caminhar sobre as águas sem medos, porque essa afastar-nos-ia do Senhor. É a fé de um bom amigo, conhecedor da sua pouca coisa, mas que confia plenamente em Jesus. Esta fé suscita-nos simpatia e confirma-nos. Esta é também a sua graça.

Aprofundar a nossa fé é o grande desafio da vida e mormente nesta etapa quaresmal.


Autor: Carlos Nuno Vaz
DM

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25 março 2017