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O homem e a máquina

O homem pensa, cria, constrói e desta magnificente elaboração mental fluem as mais extraordinárias e engenhosas sínteses de lucubração; e naturalmente propensa à criação utilitária e beneficente, o homem sempre foi, através dos tempos, um intelectual e artífice incansável, melhorando e aperfeiçoando as suas condições gregárias na base da inovação e da técnica. Uma das suas mais benéficas e singulares criações foi a máquina; e esta invenção abre-lhe horizontes incognoscíveis e maravilhosos, pois, servido pela máquina , o homem reparte-se, multiplica-se, ganha distâncias e tempo, propaga-se mesmo para outros mundos, outros planetas. Não sabemos, porém, jamais que poderia estar a construir a sua própria destruição, porque não será nunca a máquina a respeitar, a compreender o homem: por vezes, o poder da máquina ganha, domina, vence o homem, quando a atuação deste junto daquela não e de molde a replicar-lhe os efeitos salvaguardando o nefasto incumprimento das causas. Hoje, o poderoso domínio da máquina tende a relegar para segundo plano o homem, substituindo-o nas tarefas mais ingentes, sobretudo nas de exclusiva hegemonia de másculos e aumento de produção; e aquele, apenas, cabe o papel passivo de mero visor, controlador e mentor do seu funcionamento e desempenho. Todavia, embora substituindo o homem no esforço muscular e melhores e maiores níveis de produtividade, a máquina mantém, arrasta consigo os perigos resultantes da inépcia e inércia mentais; e o homem deixa de pensar para que a maquina pense por ele, deixa de colaborar ativamente com alma e espírito no trabalho – dedicação e paixão – para deixar à máquina a atuação fria, mecânica e constante. Agora, uma verdade que não pode ser relegada e a de que a máquina deve servir o homem e não o homem servir a máquina; e mesmo deslumbrado com o trabalho rápido, perfeito, diabólico da máquina – a potencialidade da máquina – o homem deve sempre orgulhar-se do seu poder criador; e, mormente, da sua determinação que permite, num ápice, o acionamento da alavanca que poe fim a laboração da máquina, impedindo, assim, que ela labore, seja útil e ele não. Porém, longe dos naturais e desejados fins para que foi concebida – serviço do progresso, auxílio do homem – desvirtuada nesta sua fundamental missão, a máquina continua a destruir o homem – a criatura contra o criador; e este, incapaz de suster os seus ímpetos de inventiva, audácia, força, maquiavelismo, continua a servir-se dela como algoz que não poupa erros, nem devaneios, como igualmente usa e abusa das suas potencialidades naturais que escapam ao seu controlo e domínio físico e, obviamente, psicológico. E isto a propósito da hecatombe que grassa nas nossas estradas em feridos, deficientes, mutilados e mortos, bem como em acidentes de trabalho, onde o trator castiga tragicamente as incapacidades e veleidades dos seus utilizadores muitos deles por descuido e inépcia; como igualmente noutras catástrofes onde a deficiente e, quantas vezes leviana utilização da máquina não perdoa, castigando cega e indistintamente culpados e inocentes. E, então, se impõe a óbvia e irrefutável questão: Culpa da máquina? Culpa do homem? Obviamente culpa do homem que usa a máquina impropriamente, que não teme o seu poder, que não respeita a sua imprevisibilidade; e arrastando-nos para a triste realidade do homem desrespeitado, aniquilado pela máquina, pelo poder da máquina – o homem feito escravo, feito vítima da tecnologia que criou para o libertar, ajudar e servir. Agora, que caminhamos a passes largos para a autonomização e robotização pelo recurso à inteligência artificial, a nossa vida passará a depender quase exclusivamente de robôs em todas as tarefas do nosso quotidiano – pessoas, familiares e sociais – urge questionar: será que, perante esta evidência de robotização generalizada da nossa atividade, a máquina vai acabar por vencer, destruir o homem, só porque este carregou no botão errado ou a máquina transcende a sua mera atividade mecânica para que foi criada e ascende a um grau superior de criação e atuação que escapa ao domínio do seu criador? O futuro o dirá. Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado
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26 maio 2021