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O fim dos filmes de ficção

Ano 2020. Destaque garantido nos anais futuros. Como que sem aviso (durante várias semanas entrevíramos uma “chinesice” esconjurável através de algumas “boas piadas” nas redes sociais), aqui na Europa passamos todos a rever-nos como atores ou figurantes de uma espécie de filme de ficção ou terror, de baixo custo na produção, mas de alto impacto. Sem que o pretendesse, a Itália colocou-se como palco das primeiras cenas, marcadas por um drama comovente – quase inexorável, parece. Depois, penosamente, a vizinha Espanha quase lhe segue o rasto mefistofélico. E numa espécie de tenebroso frenesim contagiante, os diferentes países europeus vão-se perfilando, também involuntariamente, como espaços que reclamam destaque na construção de cenas igualmente assustadoras. O triller COVID19 está em produção – dirigido por um macabro realizador – mas como se mostra demasiado real todos sentimos a vontade, a necessidade, de colaborar no aborto do seu projeto. E para tal “pede-se a uns que façam muito e outros, muitos, que não façam nada”. Esta afirmação quase pessoana, só é aparentemente hermética, pois já todos entendemos o nosso papel. Nas fábricas de bens essenciais, nos supermercados, nas farmácias, nas bombas de gasolina, nos camiões, nos serviços de água, eletricidade ou saneamento, na logística fundamental assim como nos serviços de segurança ou socorro pede-se resistência e responsabilidade, nos hospitais e nas unidades de saúde pede-se perícia, generosidade e heroísmo. Dos cientistas, que nos pedem tempo, esperamos a conceção de medicamentos ou vacinas que possam acomodar ou frenar a força de um tão temível e invisível assassino. E a muitos de nós pedem-nos, tão-só, que fiquemos por casa, em teletrabalho, ou num entediante dolce far niente (custa, mas não é esgotante seguramente). Dos governos exigimos ainda pertinácia e ousadia. O famoso slogan “É a economia, estúpido” que animou a primeira campanha, vitoriosa, de Bill Clinton para presidência dos EUA, perdeu acuidade. Neste ano de 2020, o PIB cairá e as dívidas nacionais voltarão a assumir um perfil ascendente, em Portugal como em muitos países, mostra-se óbvio. Mas depois de barrarmos a morte na sua corrida, depois de abortarmos o prolongamento do triller em curso, voltaremos a levantar estrepitosos hinos à vida, voltaremos a regozijarmo-nos deliciosamente com os acordes da 9ª sinfonia de Beethoven. A fúria de viver, assentará também no retomar de uma fúria de consumir, de revisitar os restaurantes, de atapetar os areais das praias, de beijar mais prolongadamente, e sem fôlego, aqueles que amamos ou nos são mais queridos. Os filmes de ficção perderão adeptos por muito tempo. Queremos voltar ao nosso velho mundo real. Venceremos, e amanhã haveremos todos de nos abraçar!
Autor: Amadeu Sousa
DM

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24 março 2020