Começara com o entardecer do dia 28 de novembro e terminou na tarde do passado dia 6 de dezembro a festa judaica da Hanukkah (palavra hebraica que significa “dedicação”). No calendário judaico, o início é no dia 25 do mês de Kislev e a conclusão no dia 2 do mês de Tevet (ou no dia 3, se Kislev for de apenas 29 dias). Trata-se de uma festa que celebra o momento em que Judas, de apelido Macabeu (“martelo”), e os seus irmãos (João, Simão, Eliézer e Jónatas) libertaram Jerusalém e purificaram o Templo que, três anos antes, em 167 a. C., havia sido profanado pelo rei selêucida Antíoco IV, de cognome Epífanes ou Epifânio (cfr. 1 Mac 1, 20-29).
Numa tentativa de helenização da fé e dos costumes judaicos, Antíoco IV mandou colocar, no altar do Templo, uma estátua de Zeus, o chefe do panteão grego. Tal procedimento constituiu uma afronta sem precedentes para o Povo de Israel, a ponto de passar a ser designado com a expressão “abominação devastadora” ou “abominação da desolação” (Dn 9, 27; 11, 31; 12, 11). Judas destruiu essa imagem, substituiu o altar, reacendeu o fogo que nele devia arder e mandou acender as lâmpadas dos candelabros.
Constatou-se, entretanto, que, no Templo, só havia uma pequena bilha de azeite puro, com o selo intacto do Sumo Sacerdote (Cohen Gadol). Acesas as luzes da Menorah (o tradicional candelabro de sete braços), o azeite só daria para um dia, mas a tradição refere que as lâmpadas arderam durante oito dias, o tempo suficiente para que um novo azeite puro fosse produzido e levado ao Templo, a fim de “manter as lâmpadas sempre acesas” (Ex 27, 20-21).
O ritual principal da Hanukkah consiste em acender a Hanukkiah (candelabro de nove braços). Oito dos braços lembram os dias em que a Menorah ficou acesa; o outro braço, chamado shamash (servente), é um braço auxiliar para o acendimento das outras velas. Como refere o Talmud (Shabat 21b), apenas este pode ser usado para iluminar a casa ou para outro qualquer fim. As outras velas só podem servir para cumprir o mandamento: acender uma vela a cada noite que passa, ao longo dos oito dias da celebração (assim procediam os seguidores de Hilel, líder proto-rabínico), ou acendê-las todas no primeiro dia e ir reduzindo o número a cada noite que passa (como costumavam fazer os seguidores de Shamai, sábio tanaíta).
A celebração acontecia no Templo, mas também nas casas particulares. Nos finais do século I da era cristã, Flávio Josefo afirma que “daquela época até aqui, nós celebramos esse festival e o chamamos de Luzes” (Antiguidades Judaicas, xii., 7), a que aparece associada a colheita da azeitona, em novembro, ficando o azeite pronto para a Hanukkah, no mês seguinte. Ao acender das velas, acresce a tradição, sobretudo entre os judeus Ashkenazim (da Europa Central e Oriental), o jogo do dreiel (palavra Yiddish, derivada do substantivo alemão “drehen”, “volta”), pião de quatro faces, com as iniciais da frase “nes gadol hayá sham/pó” (“um grande milagre aconteceu lá/aqui”, conforme quem a diz se encontra dentro ou fora do território de Israel). Também há o costume de comer alimentos fritos em azeite: sonhos com geleia (sufganyot) e panquecas de batata (latkes), entre outros.
Antes do século XX, a Hanukkah não tinha a expressão que, entretanto, assumiu. Quando se estabeleceu o moderno estado de Israel (14 de maio de 1948), começou a ser vista como a festa da restauração da soberania judaica, o momento apropriado para a troca de presentes e para a celebração familiar. Dado que o Natal se tinha afirmado como a maior festa do Ocidente, percebeu-se que a Hanukkah poderia ser uma alternativa judaica para o Natal cristão.
Como quer que seja, é muito sugestivo que esta festa ocorra durante o nosso Tempo do Advento (os cristãos acendem as velas da coroa de Advento, a cada semana que passa) e se afirme como o “Festival das luzes”, numa época do ano em que as noites são maiores; em que os romanos celebravam a Saturnália (festival em honra do deus Saturno, entre 17 e 25 de dezembro); e em que nós, cristãos, celebramos o Natal, afirmando Jesus Cristo como “a luz do mundo” (Jo 8, 12), o rosto do “coração misericordioso do nosso Deus, que das alturas nos visita como sol nascente” (Lc 1, 78).
Autor: P. João Alberto Correia