De facto, faria todo o sentido que o acesso à Justiça se fizesse tal como manda o SNS nos hospitais, através de taxas moderadoras. Mas nunca em valores exorbitantes de várias centenas de euros, como sucede hoje em dia. Quantias que depenam qualquer reforma ou salário médios atuais. Sobretudo, as taxas cíveis – para dirimir conflitos – onde ir a tribunal é embarcar numa aventura financeira, de tal forma incomportável e imprevisível, quanto ao seu desfecho, que se torna escandalosamente “doloroso” a ele recorrer, se tivermos em conta, para além desses custos, os honorários dos advogados.
É que estando a Saúde e a Educação, pilares da democracia, com acesso universalizado, no nosso país, o regime vai coxeando pela falta desse terceiro pilar fundamental que é o acesso universal à Justiça. Cujos cidadãos contribuintes deveriam pagá-la consoante os seus rendimentos e não de forma indiscriminada como, realmente, acontece. Só assim, teríamos implementado um sistema livre e civilizado: o “SNAJ” (Serviço Nacional de Acesso à Justiça). Daí que, neste momento, os operadores judiciários – juízes, procuradores, causídicos e funcionários judiciais – tenham já constituído um grupo de trabalho para debater e apresentar propostas sobre o tema do acesso ao direito para todos.
Só para o caro leitor fazer uma ideia dos valores que terá de pagar se recorrer aos tribunais, atente aos cinco exemplos seguintes:
1. Imagine que lhe assaltaram a casa. Apresenta a queixa e, após alguns meses, o MP (Ministério Público) arquiva o processo. Se quiser que a investigação prossiga terá de pagar a taxa de constituição como assistente no processo de 102 €.
2. Só em conferência de pais, num processo de poder paternal e para um único encontro com advogados, juiz e procurador, são cobrados 300 € às partes – uma vez que o valor mínimo de ação é calculado em 30 000 €.
3. Se dois pais divorciados recorrerem ao tribunal para alteração ao regime de férias dos filhos, cada um poderá ter de desembolsar 900 €.
4. Já no caso dos recursos para o Tribunal da Relação, quem decidir recorrer pode ter de pagar entre 306 € e 612 €. Enquanto para o Supremo a taxa aplicada pode variar entre os 510 € e os 1020 €.
5. Se avançar para uma ação de pedido de indemnização de 30 000 € por injúrias, o mais plausível é que tenha de desembolsar pelo menos 400 €.
A juntar a esses valores e à morosidade dos processos ainda temos outros custos que as empresas – em caso de litigância – terão de enfrentar. O que se constitui num elemento sério para quem pretenda investir no país. Aliás, se não fosse uma correção parlamentar à proposta do OE para 2017, que eliminou um artigo sobre as ações de valor superior a 275 000 €, e os juízes teriam deixado de usar o chamado “poder de bom senso”. Tal como aconteceu em processos cuja complexidade de causa e conduta processual – das partes – foi dispensado o pagamento de taxas.
Ora, se é verdade que em tempos passados a Justiça era uma arma de arremesso contra a ditadura, também não é menos verdade que ela se tem constituído no verdadeiro calcanhar de Aquiles para o regime democrático. Pelo que faço minhas as palavras do Professor Dr. Pinto da Costa, da Medicina Legal, quando questionado sobre a vitalidade da Justiça em Portugal: – Tomáramos nós que, ela, andasse como a saúde.
Autor: Narciso Mendes