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O cristianismo enquanto pilar histórico de Portugal

Há portugueses que contestam as transmissões da missa dominical e das cerimónias de Fátima nos canais públicos de televisão, invocando a laicidade do Estado e a concessão ilegítima de um privilégio à religião católica. Em Portugal, como na generalidade das democracias europeias, não existe religião oficial e os diversos credos religiosos têm garantida, na lei constitucional, existência social e liberdade de culto. A democracia religiosa é, pois, uma realidade cultural que tem permitido às diversas confissões uma coexistência pacífica no nosso país, conforme vincou, recentemente, o presidente da Comissão da Liberdade Religiosa, José Vera Jardim. Este responsável considerou, até, que, sendo a intolerância religiosa o maior inimigo do convívio humano, se torna necessário defender um sistema plurirreligioso solidário e dialogante.

Todavia, no que diz respeito ainda à cobertura informativa do pensamento religioso, começa também a ser recorrente a exigência de tempo de antena para todos os que não são crentes nem professam qualquer credo estabelecido em Portugal. Julgo, porém, que esta reivindicação não faz sentido, uma vez que, na prática da nossa comunicação social, não existe censura contra a livre opinião de ateus, agnósticos ou indiferentes, e nem estes grupos de portugueses estão organizados em estruturas representativas que lhes facilite a relação com os média. Tendo em conta a importância e o respeito que merecem estas sensibilidades culturais, não seria, porém, de todo descabida a organização de debates ou mesas-redondas entre crentes e não crentes, e não só na televisão.

Embora não sendo um grande espectador de televisão, vejo, com uma certa regularidade, notícias sobre igrejas protestantes, comunidades judaicas e muçulmanas, que me colocam a par da sua real expressão religiosa em Portugal. Ora, a ser assim, parece-me que ninguém pode ver afetada a laicidade do Estado, só porque o canal público transmite uma missa dominical, uma mensagem ou uma peregrinação de dimensão nacional. De resto, a haver erro nesta matéria, ele seria a não cobertura da atividade da Igreja católica, face à excecional importância que ela ainda hoje representa para o povo português. Que me desculpem os mais críticos, mas a televisão pública deve estar onde está o povo. Ou querem uma televisão para quem?

Acresce que, quando um ato religioso cai na esfera da difusão mediática, ele abandona a sua instância meramente religiosa e cai no domínio da cultura e da comunicação social. Caso fossem proibidas essas imagens no espaço público, nas casas, nos cafés, nos lares, nas prisões, nos hospitais, muitos milhares de portugueses seriam privados da satisfação de uma necessidade do foro espiritual. E não seria essa uma censura intolerável num país democrático? Por outro lado, não estarão certos organismos, mais ou menos conhecidos, a tentar condicionar a linha editorial de um órgão que, depois do 25 de abril, sempre gozou de autonomia e independência informativa? E se o canal público sempre transmitiu a missa e as cerimónias de Fátima, por que haveria agora de deixar de fazê-lo?

Eu penso que nesta matéria sensível da religião, precisávamos todos de fazer uma reflexão desapaixonada, séria e ponderada, pois não é justo que se valore o catolicismo ao nível doutras confissões, por muito respeitáveis que sejam. Se analisarmos bem a raiz da nossa história, Portugal deve quase tudo ao cristianismo romano, pois, não fosse ele, poderíamos até nem existir enquanto Estado independente. Na verdade, fizemo-nos nação em pleno contexto de Reconquista cristã da Península Ibérica. A defesa da religião foi talvez a causa mais importante que levou príncipes, clérigos, barões, cruzados francos e galegos, e povo anónimo a lutar contra o domínio mourisco, que durou em Portugal de 714 a 1249.

A implantação de paróquias, conventos e dioceses nos territórios conquistados, segundo uma administração eclesiástica tutelada pela arquidiocese de Braga, foi crucial para a fixação da população que haveria de estar na génese da criação dos concelhos. É preciso não esquecer que, para os nossos guerreiros, a religião católica funcionava como retaguarda espiritual, pois, caso morressem, como aconteceu com muitos, todos eles desejavam a salvação da alma. Havia sempre um bispo a acompanhar os exércitos, eram sempre rezadas missas campais, e não havia soldado ou general que não dobrasse o joelho para receber a bênção antes da batalha. Podemos não entender, hoje, as coisas desta maneira, mas o certo é que, nesses tempos de defesa da terra e da cultura, a religião e a política gizaram uma aliança vitoriosa, ao casarem a cruz com a espada. Alguém já se deu ao trabalho de conferir o trabalho gigantesco que fizeram os arcebispos D. Paio Mendes, D. João Peculiar e D. Godinho Soares, só para falar nos que mais se destacaram no período crítico da fundação? Afinal, a quem interessa o desconhecimento?

Sejamos imparciais, justos, gratos e tolerantes. A atual Igreja católica não quer sobrepor-se a ninguém, nem abafar vozes discordantes – como em tempos já fez –, muito menos esmagar quem acredita noutros valores religiosos ou laicos, que não os seus. Mas se o leitor tiver dúvidas quanto à justeza das asserções que expendi, recomendo-lhe a leitura de, pelo menos, um Evangelho. Compreenderá que Portugal se fez em cima desse alicerce.


Autor: Fernando Pinheiro
DM

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21 dezembro 2019