Achei particularmente rica a homilia de Pentecostes do Papa Francisco. Retomo-a quase à letra, com total fidelidade ao sentido da mesma.
O Espírito não é uma coisa abstracta. É a Pessoa mais concreta e mais vizinha, a Pessoa que muda a vida. Vemo-lo com a transformação operada nos apóstolos. As coisas não se tornaram mais fáceis, não lhes retirou os problemas e os opositores, mas o Espírito levou à vida dos discípulos uma harmonia que faltava, a harmonia própria d'Ele, que é verdadeiramente harmonia.
Os discípulos precisavam de quem lhes mudasse o seu coração. As aparições do Ressuscitado não bastaram para lhes retirar os medos. Não basta saber que o Ressuscitado está vivo, se não se vive como ressuscitados. E é o Espírito que faz viver e reviver Jesus em nós. É o Espírito que nos ressuscita por dentro. Daí a saudação: 'a paz esteja convosco', pois que a paz não consiste em resolver os problemas exteriores – Deus não nos tira tribulações e perseguições – mas em receber o Espírito Santo, que nos liberta, precisamente, no meios das tribulações e perseguições. A paz dada pelo Espírito é uma harmonia tão profunda que pode inclusive transformar 'as perseguições em bem-aventuranças'.
Não é distanciando-nos de quem pensa diferente de nós que resolvemos os problemas. Não é negando a possibilidade de harmonia, solicitados por um nervosismo contínuo que nos faz reagir mal a tudo, procurando uma solução rápida, não é assim que se resolvem os problemas e se constrói a verdadeira paz, dom do Espírito Santo.
É o Espírito Santo que coloca em ordem o nosso frenesim, pois que Ele é paz na inquietação, confiança no desencorajamento, alegria na tristeza, juventude na velhice, coragem na provação. É Ele que, no meio das correntes tempestuosas da vida, fixa a âncora da esperança. É o Consolador que nos transmite a ternura de Deus. Sem o Espírito, a vida cristã fica fragilizada, porque privada do amor que tudo une. Sem o Espírito, Jesus permanece uma personagem do passado; com o Espírito, é uma Pessoa viva, hoje; sem o Espírito, a Escritura é letra morta; com o Espírito, é Palavra de Vida. Um cristianismo sem o Espírito é um moralismo sem alegria; com o Espírito, é vida.
A harmonia trazida pelo Espírito atinge não apenas quem está dentro da Igreja, mas todos os homens. É o Espírito que nos faz Igreja, que compõe as diversas partes num único edifício harmónico. Por isso São Paulo fala tanto da diversidade de carismas, mas realçando que há apenas um único Senhor. É a partir desta diversidade que cresce a unidade. Ele é especialista em transformar o caos em cosmos, em tudo pondo harmonia. É especialista em criar unidade a partir da diversidade. Só Ele pode fazer duas coisas: criar a diversidade, as riquezas e carismas e, ao mesmo tempo, dar harmonia e unidade à diversidade.
Hoje, no mundo, as desarmonias tornaram-se divisões: há quem tenha demasiado e quem nada tem; quem procura viver cem anos e quem nem a luz do dia pode ver. Na era dos computadores, as redes tornam-nos mais visíveis, mas menos fraternais. Temos necessidade do Espírito de unidade que nos regenere como Igreja, como Povo de Deus, e como humanidade inteira. Que nos ajude a libertar-nos da tentação de construir 'ninhos', refugiando-nos no grupo de amigos, nas próprias preferências, alérgicos a qualquer possível contaminação. E do ninho à seita é um pequeno passo, mesmo dentro da Igreja.
O Espírito Santo reúne os distantes e reconduz os dispersos. Funde tonalidades diversas numa única harmonia, porque, acima de tudo vê o bem, olha em primeiro lugar para a pessoa mais que para as suas acções e os seus erros. O Espírito molda a Igreja, plasma o mundo como lugares de Filhos e irmãos, dois substantivos que aparecem antes dos adjectivos. Hoje há muito a moda de insultar como primeira resposta a uma opinião que eu não partilho. Depois, damo-nos conta de que isso nos faz mal, passando de vítimas a carnificinas. Assim é impossível viver bem.
Quem vive segundo o Espírito, leva paz onde há discórdia, concórdia onde há conflito, responde com mansidão à arrogância, com bondade à maldade, com silêncio ao ruído, com oração aos mexericos, com o sorriso ao derrotismo.
Quem quiser compreender melhor o Papa Francisco tem de ter em conta esta homilia.
Autor: Carlos Nuno Vaz