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O Bom exemplo

A intenção é fresca e foi revelada há poucos dias pela Arquidiocese de Braga: a criação de um ecossistema a partir das instituições que se ergueram no quarteirão desenhado pelas ruas de Santa Margarida e S. Domingos, no perímetro que lhe confere dignidade e multidisciplinariedade para atingir os objetivos que se propõe: criar um ambiente em que a cultura adquire especial preocupação, tendo como baluartes o Espaço Vita e a Livraria.

O exemplo é um traço de intencionalidade crucial e vai de encontro ao pensamento dos que defendem a sociabilização espacial, oferecendo diversidade, num contexto específico e motor de dinâmica económica e social, capaz de gerir melhor os recursos, otimizando-os e oferecendo pluralidade ao meio envolvente. Do mesmo modo, se regista a intenção de projetos como a Cidade do Desporto que devem despertar as sinergias, ocupando o seu lugar próprio, num processo que já deveria ter raízes e que ainda se divide entre a dificuldade de capacitar a “Cidade” e a necessidade de ocupar o espaço urbano sensível que deveria ser de exceção e não regra para qualquer clube ou instituição desportiva.

Esta dinâmica de sociabilização diferenciada, contraria a ideia em voga durante décadas de multiplicar os esforços, sacrificando investimentos úteis em nome de uma alegada democracia à La Carta em que todos podiam escolher o direito de exercer a opção de terem o mesmo tipo de espaço do vizinho. A tentação de alguns em permanecer nesta indisfarçável irresponsabilidade tem impedido a multiplicação de ecossistemas, criando dispersão e por via disso, custos na acreditação dos espaços e na capacidade de escolha dos cidadãos, na hora de decidir o que fazer, com quem fazer, o que usufruir, o que ver, o que ouvir ou simplesmente o que ler. Este último item deve-nos obrigar a fazer mea culpa enquanto cidade e cidadãos que assistiram, por falta de comparência, ao desaparecimento de inúmeras livrarias que ocuparam um lugar de destaque, em artérias nobres como as ruas de Souto e D. Diogo de Sousa, tendo como pano de fundo a referência maior da Biblioteca Pública e da Universidade, esta nas últimas quatro décadas.

A opção da Arquidiocese pode não ter a importância e ser indiferente a muitos cidadãos, ou até especialistas em gestão urbana, mas faz toda a diferença quando se percebe que uma cidade é mais ou menos rica, consoante a sua capacidade para gerar diferentes atmosferas, permitindo, que no seu conjunto, se aborde de forma inteligente três ou quatro ideias fundamentais: diversidade, multidisciplinariedade, equilíbrio e mobilidade, gerando per si um movimento cosmopolita, também ele assente na ideia da diferença em todas as suas dimensões. Sem pretender apontar o dedo a A ou B, é indisfarçável uma inquietude sobre a ausência de uma cultura pragmática e sustentável, que deveria merecer uma reflexão dos decisores sobre a forma como pretendem que a cidade seja fluída e lhe coloquem, simultaneamente, pregos imobilizadores. O exemplo dos diferentes ecossistemas, existentes em centenas de cidades europeias, pode ser explicado quando olhamos para a cidade como um ser vivo, cujos órgãos, essenciais à sua existência, não estão todos juntos e muito menos gravitam em torno do coração. Têm, sim, uma ligação umbilical, mas distante na diversidade e no espaço. A tentação para nos tornarmos preguiçosos na forma como nos deslocamos dentro da urbe, é um dos argumentos que se arrastam há décadas, mas é castrador da visão de uma cidade que se quer viva, pujante e policêntrica como tenho defendido nesta página. É verdade que a culpa deve ser distribuída por todos, mas é, também, certo, que por vezes funciona melhor, quando o exemplo vem de cima. A Arquidiocese de Braga fê-lo, com certeza, com o intuito de rentabilizar, na diferença, aquilo que une os diferentes espaços, sendo de esperar que outros possam seguir o exemplo, desmitificando a centralidade como motor para o sucesso e mobilização dos cidadãos.

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É indisfarçável uma inquietude sobre a ausência de uma cultura pragmática e sustentável.


Autor: Paulo Sousa
DM

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12 janeiro 2020